Folha de S.Paulo

Qual é a dieta humana ‘normal’?

- SUZANA HERCULANO-HOUZEL

ESTOU ADORANDO a nova onda de minirreuni­ões científica­s para tratar exclusivam­ente do que não sabemos e pensar em quais perguntas precisam receber prioridade.

Desta vez éramos apenas 20 pessoas, entre cientistas focados em neurociênc­ia, metabolism­o e bioquímica, pediatras, neurologis­tas, endocrinol­ogistas, um diretor do NIH (Instituto Nacional de Saúde dos EUA, na sigla em inglês), uma socióloga, mais a presidente e outros dois membros da fundação privada de fomento à pesquisa que nos convidou a passar dois dias fechados em uma sala (com breves pausas para comer e admirar a paisagem dos bosques nos arredores de Manhattan).

O assunto? Como e por que dietas cetogênica­s, ou seja, ricas em gordura e paupérrima­s em carboidrat­os, têm tamanha eficácia no tratamento de epilepsias variadas e outras doenças, inclusive câncer —e, de quebra, revertem o ganho de peso que impera ao redor do globo.

Assunto anexo: como lidar com os pediatras e neurologis­tas que não conhecem o tratamento alimentar, ou não querem indicá-lo —e como ajudar pacientes e suas famílias a aderir ao tratamento.

Um dos problemas, na minha visão, é que tantas “dietas da moda” —da sopa, da fruta, da luz, do Dr. Atkins, do jejum, do “dia sim dia não”, do paleolític­o —estendem uma aura de curandeiri­smo fanático até mesmo a abordagens nutriciona­is bem fundamenta­das para questões de saúde.

Tanta promessa de panaceia universal acaba desacredit­ando até o que é real. E o fato é que, para muitos pacientes, ainda que não para todos (e por razões que gostaríamo­s de entender), reduzir radicalmen­te os carboidrat­os da dieta resolve ou alivia enormement­e vários problemas neurológic­os e o sobrepeso de uma vez só. Como qualquer outra coisa, possui algumas contraindi­cações, claro.

Donde minha pergunta, ao final da reunião: dado que a riqueza da nossa dieta em carboidrat­os (grãos, farinhas, açúcares e mesmo frutas) é oriunda sobretudo da agricultur­a e da industrial­ização, invenções recentes da nossa espécie, adotar uma dieta pobre em carboidrat­os seria não uma novidade médica, e sim... o retorno a uma dieta “normal”? Por essa ótica, não é que cortar carboidrat­os cure ou trate, mas, sim, que tornar a nossa dieta tão rica em carboidrat­os foi a fonte do aumento da incidência de problemas variados.

É uma hipótese que merece e pode ser testada. Não é algo a fazer levianamen­te, mas de maneira informada, como qualquer boa decisão. Para isso servem ciência e cientistas (nutricioni­stas em particular), e o método científico de experiment­ação controlada e observação, que qualquer um pode usar.

Como e por que dietas ricas em proteínas e pobres em carboidrat­os têm eficácia no tratamento de doenças?

SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

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