Secas e tempestades aparecem no relatório da OMM como os eventos extremos com mais danos calculados.
O planeta está batendo recordes seguidos das maiores temperaturas da história, de aumento do nível do mar, do número de tempestades, secas, inundações, incêndios, furacões e ciclones.
É o que afirma o relatório apresentado na plenária de abertura da COP-23, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que acontece até o final da próxima semana em Bonn, na Alemanha.
O documento da OMM (Organização Meteorológica Mundial) —agência da ONU para questões de clima, tempo e água— compila dados de diversas agências sobre a ocorrência de eventos climáticos extremos no mundo e revela um 2017 de recordes absolutos na frequência e na intensidade desses fenômenos.
O aumento da ocorrência de eventos extremos acompanha a curva de crescimento das emissões de gases-estufa e do aumento da média de temperatura global, como mostra o relatório.
De 2015 a 2016, a taxa de emissões de gases-estufa foi a maior já registrada, chegando a um total de 403,3 partes por milhão na atmosfera. Já a média de cinco anos, de 2013 a 2017, é 1,03°C acima do período pré-industrial e também a mais quente já registrada.
O nível do mar, no entanto, está retornando a valores mais próximos da tendência de longo prazo, depois de um pico em 2016 com aumento de 10 mm acima da média da última década —influenciada pelo último El Niño.
Os oceanos seguem, mesmo assim, entre as três maiores médias de temperatura já registradas, o que vem aumentando a destruição de corais e a acidificação das águas. As geleiras do Ártico e da Antártica também batem recordes negativos: as cinco extensões máximas mais baixas ocorreram de 2006 para cá. EVENTOS EXTREMOS Na China, as perdas pela inundação na bacia do rio Yangtze, em 2017, somaram U$ 5 bilhões e 56 mortes.
Em Bangladesh, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de 13 mil casos de doenças transmitidas pela água e infecções respiratórias foram relatados durante as ocorrências de tempestades com inundações e deslizamentos de terra neste ano.
Fortes chuvas também causaram desastres em Serroa Leoa, Colômbia, Nepal, Índia, Peru e Inglaterra. Entre outros recordes, o último inverno nos EUA foi o mais chuvoso registrado para Nevada e o segundo mais úmido para a Califórnia.
Já a severidade das secas castiga com mais danos os países mais pobres.
Com os rebanhos reduzidos em 60% desde o fim de 2016, a Somália tem hoje o dobro de pessoas à beira da fome: já são mais de 800 mil afetadas pelos prejuízos na agricultura e a redução do número de animais, segundo o Programa Mundial de Alimentos da ONU.
As ondas de calor também chegaram a novos limites, passando de 54°C em vários locais do Oriente Médio e chegando a 43,5°C em janeiro em Puerto Madryn, na Argentina —a maior temperatura já registrado tão ao sul da Terra.
Os dados da OMM também mostram que o calor extremo e a seca contribuíram para incêndios florestais destrutivos recentes no Chile, Brasil, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Portugal, Espanha, Croácia, Itália e França.
FRANK BAINIMARAMA
Primeiro-ministro de Fiji e presidente da COP-23 EVENTOS EXTREMOS DESDE 1980 Geofísicos (terremotos, tsunamis, vulcões) Meteorológicos (tempestades e furacões)
Não se trata de apontar o dedo e culpar, mas de ouvir e aprender uns com os outros, compartilhar histórias, habilidades e experiências. Ao se concentrar nos benefícios da ação, esse processo movimentará a agenda global do clima
Mas o extremo mais impressionante foi a série de furacões neste ano no Atlântico Norte.
Foi a primeira vez que dois furacões da Categoria 4 (Harvey e Irma) atingiram a terra no mesmo ano nos EUA. Irma teve ventos de 300 km/h por 37 horas —o mais longo no registro de satélite naquela intensidade, tendo passado três dias consecutivos como um furacão de Categoria 5, também o mais longo registrado.
Maria também atingiu a categoria 5 e causou grandes destruições. Para a OMM, “é provável que a mudança climática induzida pelo ser humano torne as taxas de precipitação mais intensas e que o aumento contínuo do nível do mar exacerbem os impactos das ondas de tempestade.” NEGOCIANDO AS PERDAS É a primeira vez que um pequeno país insular preside a COP do Clima: Fiji, uma das ilhas mais vulneráveis à mudança climática, conduz as negociações da COP-23, que acontece na Alemanha por falta de condição de Fiji receber seus participantes. A ilha, que corre risco de extinção, podendo ficar totalmente submersa, foi devastada no ano passado pelo ciclone Winston, que matou 44 pessoas e destruiu um terço do PIB do país.
Com as negociações conduzidas pelos que mais dependem do seu sucesso, a expectativa é que o mecanismo de perdas e danos e as finanças para a adaptação aos impactos das mudanças climáticas ganhem maior importância na mesa.
Apesar da situação de vulnerabilidade, a presidência de Fiji pretende conduzir a COP com o que esse país chama de “Espírito Bula”: com inclusão, simpatia e solidariedade. “Não se trata de apontar o dedo e culpar, mas de ouvir e aprender uns com os outros, compartilhar histórias, habilidades e experiências”.
“Ao se concentrar nos benefícios da ação, esse processo movimentará a agenda global do clima”, afirmou à imprensa o presidente da COP-23 e primeiro-ministro de Fiji, Frank Bainimarama.
Para o climatologista da USP Paulo Artaxo, a presidência de Fiji bate em uma tecla fundamental para o funcionamento do Acordo de Paris. “Mecanismos de compensação e transferência de tecnologia precisam sair de baixo da mesa para o centro da negociação”, afirma.