Folha de S.Paulo

A velhice é uma coisa que acontece assim de surpresa

QUERENDO TRABALHAR MAIS, ARTISTA, QUE EXIBE PARCERIA COM DRUMMOND EM MOSTRA NO RIO, FALA DE PROJETOS E DE POLÍTICA

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Folha - Como conheceu Carlos Drummond de Andrade?

Ziraldo - Conheci a poesia do Drummond no ginásio. Via-o ocasionalm­ente na editora José Olympio, mas não tinha intimidade. Quando publiquei o “Flicts”, mandei para ele, e ele escreveu uma crônica que é o único comentário de livro que já escreveu. Mandei um [quadro] original para ele dizendo “quero que você saiba que é o melhor desenho que fiz na vida”. A partir daí, a gente ficou trocando bilhetes. Até poema ele fez. Não quis publicar as cartas porque o pessoal ia achar que éramos duas bichas. Mas eu amava ele, o que posso fazer? Vocês se frequentav­am?

Nada, ele era um ser telefônico, não gostava de visita. Nem de conhecer gente nova, dizia que estava velho para isso. Ficava horas no telefone, com aquela vozinha dele. Era muito debochado, era infernal. Como surgiu a parceria em “O Pipoqueiro da Esquina”?

Drummond gostava demais de desenhar. Quando ele era jovem, sonhava ser chargista. Ele começou a fazer essas frases, que chamava de “pipocas”, na coluna do “JB” chamada “O Pipoqueiro da Esquina”. Quando eu ia fazer a charge e [o tema] tinha saído no “Pipoqueiro da Esquina”, eu ligava para ele e dizia “Drummond, você fodeu comigo. Tenho 30 charges para fazer essa semana. Quer saber, vou ilustrar suas frases, po- de?”. Ele ficou entusiasma­díssimo com o livro. Eu caprichei muito nos desenhos. Em geral, a charge você faz muito depressa. Aqui eu exagerei um pouco, ficava horas, dias desenhando. Como é sua rotina hoje?

Continuo com o mesmo regime de trabalho. Estar na prancheta até de madrugada é vital para mim. Se eu parar, morro. Ando desenhando muito pouco, o mercado mudou muito depois da crise, em relação à minha idade. Eu fazia muito livro especial, cartilha para empresa, ilustração para publicidad­e. Tem três ou quatro anos que não tem trabalho nenhum. É a crise, [e o fato de que] agora tá cheio de menino competente aí. Quais seus projetos atuais?

Estou trabalhand­o nos últimos livros da série “Os Meninos do Espaço” [Melhoramen­tos], são dez livros, já era para eu ter entregado os dois últimos. Eu trabalho demais no texto, fico enlouqueci­do, não acabo. Agora, como estou mais lento, é pior ainda. Eu capricho muito, reescrevo 300 vezes. É um pouco a cabeça do sujeito. Eu fiquei velho tem uma semana. A velhice é uma coisa que te acontece de surpresa. Você vai vivendo e sempre achando que não mudou nada. Se você viveu intensamen­te, envelhece sem perceber. Eu sempre disse que era o adolescent­e mais longevo PIPOCAS Imagens da mostra do IMS-Rio (r. Marquês de São Vicente, 476, de ter. a dom., de 11h a 20h, até 18/2; grátis) que já vi. Agora, de repente você levanta, sai andando e tropeça nesse negócio aqui [aponta para o rejunte] do ladrilho e descobre que está arrastando o pé. “Puta que o pariu, fiquei velho.” Tem uma semana. Em mim demorou 85 anos para chegar, fiquei irremediav­elmente velho. Ancião. O sr. tem projetos futuros?

Fiz uma coleção, “ABC”, com 26 livros, um para cada letra, que vira um personagem. Essa já está pronta. E vou fazer dois livros com os 500 nomes mais comuns para meninos e meninas no Brasil, 250 de cada. Vou desenhar o significad­o de cada um deles, vai se chamar “Onde Está Você?”.

Ia fazer uma exposição para comemorar os 85 anos, mas, com essa crise, não teve jeito. Vou fazer uma em São Paulo no ano que vem, minha obra toda, no Sesc. Mas não diz que eu falei “minha obra” porque eu tenho pavor do sujeito dizer isso. São todos os desenhos que eu fiz na minha vida. Tenho muitos originais comigo do “Pasquim”, todos os do “Jornal do Brasil”, onde desenhei por 13 anos. O sr. viu “Vazante”, filme da Daniela [Thomas, sua filha]?

Vi. Achei difícil, mas lindíssimo. É a mais fantástica recriação do tempo que já vi no cinema, impression­ante. Você entra na época. Mas achei muito difícil, ela não faz concessão. Ela disse que fez o filme que estava na cabeça dela. Agora, não sei onde é que acharam racismo no filme. Chamaram ela de sinhazinha. Não sei onde é que se privilegia alguém de pele branca lá, se aparece em algum momento que o branco é superior ao negro. Nunca vi uma descrição do negro tão fiel ao que eles deviam sentir naquela época. Ela foi uma das diretoras da abertura da Olimpíada. A escolha do Rio como sede passou a ser suspeita.

Que coisa triste, né? E o Serginho Cabral? Eu conheço ele desde bebê, sou superamigo do pai dele. Graças a Deus ele [Sérgio pai] está com Alzheimer. Ele buscou esse Alzheimer, não tinha o que fazer da vida se visse o filho dele ser levado para a prisão, com 72 anos [de pena]. Criar um filho como ele criou, no samba... Por que Cabral fez o que fez?

Ele estava sempre com gente rica, levando uma vida de rico. Isso deformou um pouco. Aí, quando viu que era fácil ganhar dinheiro, resolveu virar o cara mais rico do Brasil. É uma deformação de caráter extraordin­ária. A carreira dele veio bem, foi o primeiro governador que não se ajeitou com a escrotidão da polícia, pelo contrário, chamou o Beltrame [ex-secretário de segurança pública do Rio], que tentou moralizar. Foi um belo governador do Rio. Mas descobriu que era muito fácil roubar. Onde podia se meter, se meteu para ganhar dinheiro. O sr. pretende votar em 2018?

Nunca deixei de votar. Votei na Dilma, mas ela se perdeu no caminho. O governo Lula foi o mais bem-sucedido do Brasil porque ele foi o primeiro presidente que não achou que o mundo começava nele. Tudo que o Fernando Henrique tinha feito, ele pegou, ajeitou e deu continuida­de. O sr. acha que Lula disputará as eleições ou vai preso antes?

Vai acabar preso, claro, porque, se ele disputar, ele ganha. Esse país é muito maluco. O Lula já está no DNA [do país]. Por que essa eficiente equipe da Lava Jato, que já pegou todo mundo, está nessa dificuldad­e de pegar o Lula? Não tem um deputado do Brasil que não tenha ganho presente de empresário. E o sr. acha isso aceitável?

É claro que eu não acho, mas não é o habitual, não é como se faz? O Lula é esperto, mas não tem berço, não tem nossa moral burguesa. Ele teria seu voto?

Agora, não sei, não. Na Marina eu não votava nem para síndica. O Ciro eu acho meio tolo, fala demais. O Doria é um rapaz que lutou muito para ficar rico, segundo a história que ele conta, mas é um idiota completo. Não tenho candidato, não.

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