Folha de S.Paulo

Muso praieiro se arrisca em crítica social

Sem abandonar a vibração ensolarada, havaiano Jack Johnson canta tema anti-Trump em show esgotado em SP

- MARCO AURÉLIO CANÔNICO

‘Senti responsabi­lidade de falar sobre isso, como pai e como alguém com fãs jovens’, diz autor do hit ‘Better Together’

O mundo está uma bagunça: há plástico demais nos oceanos, raiva demais nas redes sociais e um empresário que apresentav­a reality shows presidindo a nação mais poderosa do planeta.

“São tempos malucos”, diz o cantor havaiano Jack Johnson, 42. “Os artistas sempre têm um papel nesses momentos.” Para ele, “As canções funcionam em mão dupla: o autor reflete o que vê na sociedade e a sociedade reflete o que vê nas obras”.

Isso explica o tom de algumas canções do disco mais recente, “All the Light Above it Too”, lançado em setembro.

Nele, mantendo a mesma sonoridade “luau acústico” que o caracteriz­a, Johnson trata de política, poluição e da exposição.

Ele recebeu a Folha pouco antes de seu show na Jeunesse Arena, no Rio, na noite deste domingo (5). Magro, com a pele queimada pelo sol praiano de seu Havaí natal, usava camiseta, calça jeans e chinelos —mesmo visual com que subiria ao palco.

“Como fã de música, muito da maneira como encaro o mundo vem do que eu ouvia nas canções do Neil Young, do Greg Brown. Às vezes as canções traduzem algo que você sente, mas não consegue expressar.”

Entre as novas músicas, a mais abertament­e política é “My Mind Is for Sale”, que fala da eleição de Donald Trump à Presidênci­a em versos como “não ligo para os seus muros paranoicos tipo ‘nós contra eles’”.

“Que uma estrela de ‘reality TV’, sem nenhuma qualificaç­ão para ser presidente dos Estados Unidos, consiga ascender tão rapidament­e é algo que precisa ser comentado”, diz Johnson.

Ele se preocupa em não soar como se estivesse patrulhand­o: “Ninguém tem obrigação de cantar sobre o que quer que seja, mas, como pai e como alguém que tem fãs jovens que ainda estão definindo sua visão de mundo, senti a responsabi­lidade de falar sobre isso”.

Apesar das letras românticas (todas dedicadas à mulher) e contemplat­ivas (sobre a natureza, o mar, o mundo) serem mais conhecidas, Johnson diz que se engajar não lhe é estranho: “Cada um dos meus discos tem algum comentário político ou social”.

O tom mais assertivo do último álbum, no entanto, rendeu-lhe certa antipatia nas redes sociais. Não que ele tenha entrado para ver.

“Não uso a internet para ver notícias sobre mim mesmo, acho muito perigoso. Ou você vai ver gente dizendo que você é o maior, e isso não é bom para sua cabeça, ou vai ver gente dizendo que você não presta, o que pode te desanimar e te levar a desistir.” SHOW DE SUCESSOS Na atual turnê, que chega a São Paulo nesta terça (7), só duas canções recentes têm entrado no repertório: a mencionada “My Mind Is for Sale” e a praiana “Big Sur”.

Desde a abertura, com “You and Your Heart”, “Taylor”, “Staple it Together” e “Sitting, Waiting, Wishing”, predominam os sucessos radiofônic­os que os fãs cantarolam e registram nos celulares. Na plateia, há uma clara predominân­cia de casais.

Acompanhad­o de uma trinca de amigos (baixo/acordeom, bateria/cajón, piano), o havaiano mostra no palco a mesma simpatia e tranquilid­ade dos bastidores.

Saúda e agradece ao público em português, desce para tirar selfies com os fãs colados na grade, lê cartazes que eles levam, põe pitadas brasileira­s em certas canções — “Staple it Together” é misturada com “Mas que Nada”, de Jorge Ben Jor, e “Banana Pancakes” ganha um “fala comigo em português, meu amor”.

O cenário é simples, eficiente e, claro, ecologicam­ente correto: lâmpadas coloridas dentro de cúpulas de plástico reciclado (“Tirado das praias do Havaí”, informa o cantor) e, sobre o palco, uma rede ondulada que emula o mar e o céu, de acordo com as luzes projetadas.

A apresentaç­ão reflete muito do clima relaxado do disco, o primeiro em que Johnson tocou a maior parte dos instrument­os.

“Foi meio acidental, estava experiment­ando a bateria, o baixo, para depois mostrar aos músicos para eles fazerem versões mais bem acabadas. Quando ouvi minhas versões originais, achei interessan­te, tinha algo vivo na maneira como eu cantava e tocava violão.” QUANDO nesta terça (7), às 22h ONDE Espaço das Américas (r. Tagipuru, 795, Barra Funda, SP) QUANTO R$ 240 a R$ 460 (ingressos esgotados) CLASSIFICA­ÇÃO 16 anos

 ??  ?? Ex-surfista profission­al e nome forte do chamado ‘soft rock acústico’, compositor Jack Johnson, 42, apresenta turnê com cenografia feita de plástico retirado das praias do Havaí
Ex-surfista profission­al e nome forte do chamado ‘soft rock acústico’, compositor Jack Johnson, 42, apresenta turnê com cenografia feita de plástico retirado das praias do Havaí

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