Folha de S.Paulo

Censura ao anonimato na internet?

É crucial encontrar o equilíbrio entre o controle do conteúdo lesivo ou identifica­ção para responsabi­lização por abusos

- JULIANO MARANHÃO www.folha.com.br/paineldole­itor saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

A suspensão de conteúdo falso ou ofensivo pelos provedores de internet levanta um tema interessan­te, que se perdeu nos debates que levaram ao seu veto no projeto de reforma eleitoral.

Determinav­a-se aos provedores a suspensão do conteúdo denunciado pelo ofendido para que aqueles pudessem se certificar da “identifica­ção pessoal” do usuário.

O alvo, portanto, não era propriamen­te coibir o conteúdo, mas lidar com o anonimato e os chamados “perfis falsos”, um desafio novo e ainda não bem resolvido no quadro normativo vigente.

Com alusões a fantasmas do passado, tal proposta foi apontada como exemplo de “censura prévia”, que é expressame­nte proibida pelo art. 5º, inciso IX, da Constituiç­ão Federal de 1988. Porém, a mesma Carta prevê ser “livre a manifestaç­ão do pensamento, vedado o anonimato” (art. 5º, inciso IV).

No passado, “censura” significav­a controle prévio sobre o conteúdo produzido por uma mídia centraliza­da, a partir de um discurso oficial. Mas, na internet, a produção de conteúdo tem como fonte os próprios usuários, sua divulgação é instantâne­a e se dá em ambiente virtual, sem fronteiras nacionais. Portanto, não é fácil entender o que significa, hoje, “censura prévia”, e seria superficia­l equiparar esse conceito à simples retirada ou suspensão de conteúdo na internet.

O mesmo vale para “anonimato”. O pressupost­o, aqui, é a existência de apenas uma identidade real, física, que se oculta. Em ambiente centraliza­do, sua vedação era traduzida pela obrigação das empresas de mídia em identifica­r o autor do conteúdo.

Mas, em espaço cuja arquitetur­a, descentral­izada, foi desenhada para permitir o fluxo de informaçõe­s, independen­temente de quem comunica, tal obrigação perde o sentido prático.

Mais do que isso, a internet acabou permitindo novas dimensões de construção de identidade­s e desenvolvi­mento da personalid­ade, baseadas em comunicaçõ­es anônimas ou por perfis.

O perfil, no ambiente virtual, tem uma dimensão de “realidade” inconcebív­el em 1988, e não é perfeitame­nte traduzido pelo conceito de pseudônimo, algo fictício em relação à identidade física, pressupost­a como única real. É exatamente por ser virtualmen­te real que o “perfil falso” é nocivo.

Portanto, o verdadeiro fantasma está em pensar a censura e o anonimato na internet a partir de conceitos fixados no passado, próprios para outras mídias.

O anonimato, mormente aquele que se constrói por perfis na internet é, na verdade, um direito de qualquer indivíduo em suas comunicaçõ­es. O dever de identifica­ção é, ao pé da letra da Constituiç­ão, apenas condição para o exercício da liberdade de expressão e aparece somente quando uma manifestaç­ão pública de opinião puder causar danos a terceiros.

Passado o calor da discussão, é importante lidar com o desafio dos perfis falsos, “fake news” e “hate speech” (discurso de ódio) sem dogmatismo. Uma vez admitido que tais conteúdos têm potencial lesivo à personalid­ade individual e à própria democracia, como mostraram recentes campanhas de desinforma­ção em período eleitoral, é crucial encontrar o equilíbrio entre o controle do conteúdo lesivo ou identifica­ção para responsabi­lização por abusos e as garantias de liberdade de expressão e de privacidad­e.

O tema merece reflexão, mesmo quando nos opomos veementeme­nte à censura. JULIANO MARANHÃO

Providenci­al a charge de Laerte (“Opinião”, 7/11), pois ajudou a compensar a cobertura insuficien­te do jornal de segunda sobre o envolvimen­to de Henrique Meirelles e Blairo Maggi nos Paradise Papers. O jornal deu uma reportagem escondida na página 12 (“Arquivos expõem offshores de brasileiro­s”, “Mercado”, 6/11), enquanto desperdiço­u a manchete com uma entrevista laudatória de Ives Gandra Filho defendendo a reforma trabalhist­a. Que a Folha defenda as reformas e seus artífices, tudo bem. Mas certos malabarism­os editoriais minam sua credibilid­ade e a paciência do leitor.

JULIO ADAMOR CRUZ NETO

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