Censura ao anonimato na internet?
É crucial encontrar o equilíbrio entre o controle do conteúdo lesivo ou identificação para responsabilização por abusos
A suspensão de conteúdo falso ou ofensivo pelos provedores de internet levanta um tema interessante, que se perdeu nos debates que levaram ao seu veto no projeto de reforma eleitoral.
Determinava-se aos provedores a suspensão do conteúdo denunciado pelo ofendido para que aqueles pudessem se certificar da “identificação pessoal” do usuário.
O alvo, portanto, não era propriamente coibir o conteúdo, mas lidar com o anonimato e os chamados “perfis falsos”, um desafio novo e ainda não bem resolvido no quadro normativo vigente.
Com alusões a fantasmas do passado, tal proposta foi apontada como exemplo de “censura prévia”, que é expressamente proibida pelo art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal de 1988. Porém, a mesma Carta prevê ser “livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato” (art. 5º, inciso IV).
No passado, “censura” significava controle prévio sobre o conteúdo produzido por uma mídia centralizada, a partir de um discurso oficial. Mas, na internet, a produção de conteúdo tem como fonte os próprios usuários, sua divulgação é instantânea e se dá em ambiente virtual, sem fronteiras nacionais. Portanto, não é fácil entender o que significa, hoje, “censura prévia”, e seria superficial equiparar esse conceito à simples retirada ou suspensão de conteúdo na internet.
O mesmo vale para “anonimato”. O pressuposto, aqui, é a existência de apenas uma identidade real, física, que se oculta. Em ambiente centralizado, sua vedação era traduzida pela obrigação das empresas de mídia em identificar o autor do conteúdo.
Mas, em espaço cuja arquitetura, descentralizada, foi desenhada para permitir o fluxo de informações, independentemente de quem comunica, tal obrigação perde o sentido prático.
Mais do que isso, a internet acabou permitindo novas dimensões de construção de identidades e desenvolvimento da personalidade, baseadas em comunicações anônimas ou por perfis.
O perfil, no ambiente virtual, tem uma dimensão de “realidade” inconcebível em 1988, e não é perfeitamente traduzido pelo conceito de pseudônimo, algo fictício em relação à identidade física, pressuposta como única real. É exatamente por ser virtualmente real que o “perfil falso” é nocivo.
Portanto, o verdadeiro fantasma está em pensar a censura e o anonimato na internet a partir de conceitos fixados no passado, próprios para outras mídias.
O anonimato, mormente aquele que se constrói por perfis na internet é, na verdade, um direito de qualquer indivíduo em suas comunicações. O dever de identificação é, ao pé da letra da Constituição, apenas condição para o exercício da liberdade de expressão e aparece somente quando uma manifestação pública de opinião puder causar danos a terceiros.
Passado o calor da discussão, é importante lidar com o desafio dos perfis falsos, “fake news” e “hate speech” (discurso de ódio) sem dogmatismo. Uma vez admitido que tais conteúdos têm potencial lesivo à personalidade individual e à própria democracia, como mostraram recentes campanhas de desinformação em período eleitoral, é crucial encontrar o equilíbrio entre o controle do conteúdo lesivo ou identificação para responsabilização por abusos e as garantias de liberdade de expressão e de privacidade.
O tema merece reflexão, mesmo quando nos opomos veementemente à censura. JULIANO MARANHÃO
Providencial a charge de Laerte (“Opinião”, 7/11), pois ajudou a compensar a cobertura insuficiente do jornal de segunda sobre o envolvimento de Henrique Meirelles e Blairo Maggi nos Paradise Papers. O jornal deu uma reportagem escondida na página 12 (“Arquivos expõem offshores de brasileiros”, “Mercado”, 6/11), enquanto desperdiçou a manchete com uma entrevista laudatória de Ives Gandra Filho defendendo a reforma trabalhista. Que a Folha defenda as reformas e seus artífices, tudo bem. Mas certos malabarismos editoriais minam sua credibilidade e a paciência do leitor.
JULIO ADAMOR CRUZ NETO
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