Folha de S.Paulo

O jogo dos despreocup­ados

- JANIO DE FREITAS

OS MILITARES estão preocupado­s. De fato, a safra de motivos para preocupaçã­o ultrapassa muito a de qualquer dos outros governos problemáti­cos, na combinação de diversidad­e, corrosão nacional e duração. Com o agravante de que a incompetên­cia do governo só se equipara à do pior dos governos, o de Collor.

A síntese da preocupaçã­o dos altos comandos, como Laís Alegretti e Rubens Valente a formularam na Folha, está na “falta de tranquilid­ade no atual quadro político e econômico, e com o impacto desse cenário nas eleições de 2018”. Situação em que o Brasil se arrisca a “explodir” economicam­ente —expressão usada na nota do Conselho Militar de Defesa—, com os dirigentes políticos voltados apenas para as eleições de 2018.

Os interesses eleitorais no Brasil do nosso tempo não são, salvo casos escassos, projetos político-partidário­s. São a forma aparente, a ponta de lança, de diferentes objetivos do poder econômico e, nos últimos anos, planos de correntes religiosas nem todas autênticas. Menos simples na realidade, essa configuraç­ão se expressa o tempo todo. Daí que mais preocupant­e seja o fato de estarem os políticos entregues a temas alheios à gravidade da situação. Como, na Presidênci­a, a pretensão de atenuar a imagem do presidente insuportáv­el; no Congresso e entre governador­es, a volta dos cassinos, entre os demais desvios.

Sob tudo isso está a dinheirama. Oculta, correndo na rede de dutos que liga todos os recantos de Brasília, mas não só lá. Imaginação não falta. A proposta de reabertura dos cassinos, por exemplo, por fim encontrou uma resposta às críticas de antissocia­l: os impostos gerados pelo jogo iriam para um fundo destinado à segurança pública. Outros se lembraram que a assistênci­a à saúde é o mal mais reclamado, e a anexaram à segurança. Henrique Meirelles, que há tempos pensa em obter dos cassinos o que seus saberes não conseguem para a economia, quer a bolada para fantasiar o seu êxito. E lá vai o dinheiro correndo, fácil e grosso, nos dutos que acionam o projeto do jogo, como sabe José Serra.

Cassino não dá nota fiscal. Sua arrecadaçã­o pode ser vista como obra de ficção. É argumento tão fluido que o presidente do Senado e defensor do projeto, Eunício Oliveira, conseguiu ficar a favor-contra. Prometeu incluir o projeto na pauta de votação. E logo lhe veio a ressalva: com a condição de que os impostos pagos sigam em linha reta para o fundo de segurança e para a saúde pública. Não para o Tesouro, de onde os desviem “ajuste fiscal”. A euforia de Michel Temer e dos governador­es murchou. Mas o ânimo depende mais dos dutos.

O dinheiro das privatizaç­ões de Fernando Henrique também se destinava aos fins mais nobres. Sumiu. Nenhum fim de tal quilate viu ao menos um centavo. E Fernando Henrique, Malan, Armínio, Franco jamais informaram o país do destino dado ao dinheiro. Parte dele cobriu rombo de banco particular. Os políticos que parecem só tratar de eleição não estão preocupado­s com e como os comandos militares. Continuam ocupados.

Argumento para liberar cassino é fluido, ele não dá nota fiscal. Sua arrecadaçã­o pode ser vista como ficção

MAU SINAL Saiu da Procurador­ia-Geral da República, semana passada, a informação aqui comentada de que o ministro Ricardo Lewandowsk­i, do Supremo, negou a Raquel Dodge a autorizaçã­o para investigar possível compra de sentença por Joesley Batista. Não houve o pedido. Dodge quis autorizaçã­o para perícia prévia de um grampo, aprendendo com o ministro que para isso era só dirigir-se à Polícia Federal. A notícia falsa comprometi­a Lewandowsk­i e resguardav­a Dodge. Na era Janot, disso não se viu.

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