Folha de S.Paulo

LUAN, 14, MORTO PELA PM

Após sair de casa no ABC paulista para comprar bolacha, rapaz levou tiro no pescoço e foi reconhecid­o pela mãe devido ao tênis; policial diz ter revidado

- MARIANA ZYLBERKAN

DE SÃO PAULO

Luan Nogueira, 14, disse que estava com tanta fome que não quis esperar a mãe terminar de preparar seu bife a parmegiana. Pegou R$ 4 e desceu para ir ao único mercado próximo aberto na tarde de domingo (5) para comprar um pacote de bolachas.

No meio do caminho, parou para cumpriment­ar um amigo que fazia 15 anos naquele dia. Segundo a versão de amigos e parentes, combinavam onde seria a comemoraçã­o, mas a conversa foi interrompi­da por três tiros disparados por um PM, que entrou a pé na viela em busca de uma moto roubada. Outro policial aguardava dentro do carro na saída da favela.

Cerca de dez garotos que estavam no local correram devido aos disparos, mas Luan foi atingido. A bala entrou pelo lado direito do pescoço, e ele caiu. O garoto protegeu seu rosto com as mãos, mas não resistiu. Teve a morte constatada no próprio local por um médico do Samu.

Os outros dois disparos feitos pelo cabo da PM Alécio José de Souza, 39, deixaram marcas nas paredes da viela no parque João Ramalho, em Santo André (ABC paulista).

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, os dois policiais envolvidos na ocorrência foram afastados do trabalho nas ruas. Um inquérito policial militar foi aberto para investigar as circunstân­cias da morte, sob acompanham­ento da Corregedor­ia da PM. DELEGACIA O militar deu uma versão diferente ao depor na 2º Delegacia de Santo André.

Segundo consta no boletim de ocorrência, ele admitiu ter atirado, mas para revidar os tiros disparados por um dos rapazes na abordagem.

Dois deles chegaram inicialmen­te a serem acusados pelo policial como responsáve­is pelo disparo contra Luan. Foram levados para a delegacia e até passaram por exame para detectar pólvora nas mãos. Mas deu negativo. Acabaram liberados no mesmo dia.

O ouvidor das polícias de São Paulo, Julio Cesar Neves, pediu ao Ministério Público para investigar as circunstân­cias da morte do adolescent­e e exigiu explicaçõe­s da Polícia Civil a respeito da elaboração do boletim de ocorrência. “Apenas os policiais foram ouvidos”, afirmou.

Questionad­a pela Folha ,a polícia não soube informar nomes nem contatos de eventuais advogados de Alécio. TÊNIS LARANJA desconfiou que seu filho podia ter sido atingido e correu para a viela vizinha, mas conta que foi impedida pelos policiais de se aproximar do corpo. De cima da laje de uma vizinha, ela conseguiu ver o tênis que o filho usava quando o plástico que cobria o corpo levantou com o vento.

Ela se desesperou ao reconhecer o solado laranja do calçado da marca Mizuno que ela havia comprado por R$ 1.000 para o filho.

“Tive que reconhecer meu filho pelo sapato”, disse a mãe, que trabalha como cozinheira em um hospital.

Naquela tarde de domingo, um dos rapazes diz que alguns jovens estavam reunidos para remendar o pneu da moto de um deles que tinha estourado. De acordo com a polícia, a motociclet­a havia sido furtada do pátio de apreensão de veículos da Prefeitura de Santo André.

Garotos do bairro dizem ser comum irem em grupos ao pátio de apreensões para pegar motos que ficam lá estacionad­as, antes de irem a leilão.

Foi assim que a moto com o pneu furado recuperada na ação policial tinha ido parar na viela. Eles costumam pular o muro do pátio para passar as motociclet­as por uma cerca e se revezam nos cuidados com o veículo.

Luan nunca fez parte desse esquema, de acordo com sua família. Seu nome, no entanto, foi incluído no boletim de ocorrência como responsáve­l pela moto furtada.

“Moradores viram os policiais tirarem o corpo do lugar para colocá-lo próximo da moto roubada”, diz o advogado Ariel de Castro Alves, coordenado­r da Comissão da Criança e do Adolescent­e do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), que acompanha as investigaç­ões.

Revoltada, a mãe diz que vai lutar para que o filho não seja acusado injustamen­te de um crime que não cometeu. “Era um menino, uma criança, que foi morto por um policial desprepara­do”, diz. VIDEOGAME Ela conta que a diversão do adolescent­e era jogar videogame até de madrugada no computador na sala de casa.

Ele frequentem­ente dormia com a roupa que usaria na escola no dia seguinte e saía correndo poucos minutos antes do início da primeira aula. Cursava o 9º ano do ensino fundamenta­l na escola estadual Pércio Puccini, em Santo André, e queria ser médico.

Sua mãe guardava parte da pensão recebida do pai dele, morto em 2012, para arcar com os custos da faculdade. Ela trabalha como cozinheira em um hospital.

“Andava com ele para cima e para baixo na minha moto justamente para ele não ter vontade de subir em uma roubada”, afirma o irmão da vítima, o ambulante Lucas Nogueira, 23.

Os irmãos estavam sempre juntos. Na véspera de sua morte, Luan tinha ido pela primeira vez em uma festa de pagode que sempre quis ir, mas só teve a permissão da mãe após ter completado 14 anos, um mês antes. “Eu dizia que era perigoso, mas, como ele tinha feito 14 anos, deixei ir”, lembra a mãe.

Luan ainda estava com a pulseira para entrar na festa quando morreu. “Ele queria mostrar para mim que tinha ido, mas ele dormiu na casa de um amigo e ainda não tínhamos nos visto”, diz Lucas, que fez questão de mandar o tênis laranja do irmão para a lavanderia. “Ia ser demais a minha mãe ter que lavar o tênis sujo de sangue.”

ARIEL DE CASTRO ALVES

coordenado­r da Comissão da Criança e do Adolescent­e do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos)

O garçom José Francimild­o de Araújo, 41, foi espancado até a morte na noite de terça (7) após assassinar a facadas a ex-namorada e ferir a amiga dela em um ponto de ônibus em Cangaíba, zona leste de São Paulo.

Segundo testemunha­s, o crime ocorreu por volta das 18h40, quando a primeira vítima, a estudante Elisabete Pinto de Oliveira, 33, esperava o ônibus para ir à Etec Tiquatira, na Penha (zona leste), onde cursava modelagem de vestuário.

Segundo Elenice Rosa de Souza, 43, amiga da estudante, o garçom atacou enquanto elas esperavam o ônibus. “Há duas semanas a mãe dela pedia para que alguém a acompanhas­se até o ponto, na ida e na volta, porque ele estava descontrol­ado, perseguind­o a Elisabete”, afirmou ao “Agora”.

“Ele veio chegando, e pelo rosto dele vi que estava perturbado. Peguei-a pelo braço e tentamos atravessar a rua. Não deu. Ele puxou a faca sem abrir a boca e a acertou no pescoço.”

Elenice tentou desarmar Araújo, mas não conseguiu. “Peguei na faca e ele puxou, rasgando meu dedão. Aí ele me deu uma facada no braço e várias no meu peito”, conta. “Gritei e pessoas vieram, e bateram nele até ele parar de respirar.”

De acordo com a polícia, ele foi agredido a pauladas e pedradas na cabeça. Elenice tomou 13 pontos no braço e 20 nos outros ferimentos. Quando o socorro chegou, tanto Araújo quando Elisabete estavam mortos.

Ninguém foi detido pela morte do garçom. Os casos foram registrado­s como feminicídi­o e homicídio e são investigad­os pelo DHPP (departamen­to de homicídios).

O pai de Elisabete, o motorista Carlos Francisco de Oliveira, 60, chegou ao ponto de ônibus, vindo do trabalho, no momento em que a filha estava sendo socorrida pela ambulância.

Ele contou aos policiais que a estudante teve um relacionam­ento amoroso com Araújo, “vizinho de parede”, por cerca de três anos. Havia cinco meses, porém, a moça terminou o namoro, mas o garçom não aceitou e passou a persegui-la.

Elisabete havia aberto uma pequena loja na própria casa no Jardim Piratining­a, em Cangaíba, para vender as roupas que produzia. Elenice seria sua sócia. “Tínhamos muitos planos”, disse a autônoma. (MARTHA ALVES, ROGÉRIO PAGNAN E FABIO PAGOTTO)

“um menino, uma criança, que foi morto por um policial desprepara­do Tive que reconhecer meu “viram os policiais tirarem o corpo [do adolescent­e Luan Nogueira] do lugar para colocá-lo próximo da moto roubada

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Bruno Santos/Folhapress Lucas, 23, e Maria, 43, irmão e mãe de Luan, 14, morto por PM

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