Filme escapa do cinema porta-bandeira e didático ao abordar gravidez indesejada
FOLHA
A expressão “histórias mínimas” foi usada como título de filme e serviu de emblema a outras obras que, no início dos anos 2000, passaram a ser agregadas sob o rótulo “novo cinema argentino”, marcado por narrativas e estéticas rarefeitas.
“Invisível”, segundo filme de Pablo Giorgelli, prolonga essa tradição de abordar crises dispensando o aparato. O modo simples chama a atenção para o próprio drama, evitando a mania contemporânea dos “discursos”.
O diretor argentino já havia se imposto com seu primeiro longa, “Las Acacias”, uma aguda observação sobre diferenças sociais e sexuais construída com base em dois personagens reunidos à revelia numa viagem de caminhão.
Na estreia, ele demonstrava domínio da dramaturgia diante das limitações do lugar e do número de personagens. Ali também ficava evidente o desejo de não coagir o espectador com emoções, de nos deixar reagir mantendo distância, equilíbrio que reaparece em “Invisível”.
Aqui, temas como gravidez precoce e aborto clandestino poderiam dar margem ao cinema porta-bandeira, no qual o didatismo sufoca a expressão.
Giorgelli escapa da armadilha escolhendo filmar Ely, a protagonista, como um corpo que sente, deseja, repele, se sexualiza e sofre com a indesejada gravidez.
Observamos a personagem na escola, no trabalho e em casa, mas sem maiores interferências psicológicas. A apatia de Ely a tudo pode até provocar antipatia. A frieza dos ambientes e da luz também servem para apagar a vitalidade dessa adolescente sorumbática, quase zumbi. Giorgelli, contudo, não faz um filme limitado a exibir o vazio.
A gravidez impõe um drama ao corpo, que precisa decidir as condições do aborto numa sociedade que considera o ato ilegal. Existem os remédios abortivos, existem clínicas clandestinas, e Ely percorre essas situações como quem sem querer é forçada à delinquência, mas não tem direitos, não pode fazer escolhas.
Em vez de mais uma denúncia da hipocrisia, Giorgelli desvia a questão para outros aspectos da experiência feminina, quando Ely se torna adulta e só encontra papeis subordinados.
Ao mostrar que não ter uma gravidez indesejada é considerado um crime, “Invisível” aponta, de fato, para as múltiplas camadas desse iceberg. (INVISIBLE) DIREÇÃO Pablo Giorgelli ELENCO Mora Arenillas, Diego Cremonesi, Paula Fernandez Mbarak PRODUÇÃO Argentina/França, 2017; 16 anos QUANDO estreia nesta quinta (9) AVALIAÇÃO bom