Redução de ‘novos surdos’ e evasão explicam o Enem
Tabulações da Folha jogam luz sobre tema pedido na prova e que Ministério da Educação não sabe explicar
DE SÃO PAULO
Tema da redação do Enem, o “desafio para a formação educacional de surdos” foi ilustrado na prova com um gráfico que indicava uma queda de matrículas entre esse público no país —algo que nem o Ministério da Educação soube explicar.
Agora, tabulações feitas pela Folha nos microdados do censo escolar jogam luz sobre o que de fato ocorreu.
Ao mostrar uma redução de 23% no universo de estudantes surdos de 2011 a 2016, o gráfico dá a entender que esse público estaria deixando a escola. Mas esse é apenas um entre dois outros fatores: a queda no número de alunos que adquirem a surdez ao longo da vida e a própria transição demográfica por que passa o Brasil.
A mudança do perfil populacional atinge todo o país: com menos crianças em idade escolar, houve uma queda geral de 5% nas matrículas da educação básica de 2011 a 2016. Essa redução ocorreu entre crianças com e sem deficiência e ajuda a explicar uma parte do que está acontecendo com os surdos.
Um outro fator, porém, é específico dessa deficiência. Todos os anos, pessoas que não eram surdas perdem a audição. Desde 2012, isso ocorre cada vez menos nas escolas, segundo os registros do censo da educação básica.
O levantamento é coordenado pelo Inep, instituto de pesquisas ligado ao Ministério da Educação. Nele, cada escola do país preenche um cadastro que inclui a eventual deficiência de cada aluno.
Esses dados mostram que a quantidade de estudantes que antes tinham audição e, depois, passaram a ser classificados como surdos caiu 44% daquele ano para 2016 —de 4.927 para 2.743, ou de 14% para 10% do total de estudantes surdos.
Um fator que pode ajudar a entender essa queda é o maior acesso a tratamentos, afirma José Ricardo Gurgel Testa, presidente da Sociedade Brasileira de Otologia.
Ele explica que grande parte dos casos de surdez adquirida é causada por infecções bacterianas, como a meningite. “Esses casos têm dimi- nuído com o uso de medicamentos cada vez melhores e com um maior acesso da população a eles”, afirma.
Além disso, também tem se disseminado o uso de tecnologias que amplificam ou recuperam a audição, algo que pode interferir na forma como os portadores da deficiência são retratados no censo pelas escolas. É o caso do implante coclear, feito na parte interna da orelha.
Ele não dispensa a necessidade de atendimento especial ao aluno, já que, principalmente no início, o recémimplantado enfrenta dificuldades para entender os sons. EVASÃO O atendimento especializado aos surdos, porém, tem falhado no Brasil, de acordo com educadores e estudantes com a deficiência.
As dificuldades vão desde o professor virar as costas para o aluno que precisa de leitura labial até a falta de tradutores de Libras (Língua Brasileira de Sinais) e de material didático diversificado para esse público.
A falta de preparo das escolas para receber os surdos é apontada como um dos fatores que aumenta a evasão escolar desse grupo.
Para dimensionar o tamanho do problema, a Folha verificou a trajetória escolar de
PRISCILA CRUZ
presidente-executiva do movimento Todos pela Educação
MARTINHA CLARETE DUTRA
pesquisadora da Unicamp e ex-diretora de políticas de educação especial do Ministério da Educação todos os alunos que tinham até 11 anos de idade em 2011. Isso é possível porque cada estudante tem um código único no censo.
Cinco anos depois, 15% dos alunos surdos não estavam mais na escola. Entre os que não tinham a deficiência, o índice era de 9%.
Para Martinha Clarete Dutra dos Santos, ex-diretora de políticas de educação especial do Ministério da Educação, é preciso investir em formação de professores e intérpretes e mudar a cultura das escolas, acostumadas ao atendimento “padronizado”.
Em sua opinião, porém, a evasão não pode servir de pretexto para que alunos surdos voltem a ser segregados em classes exclusivas, como antes ocorria no país.
“Historicamente, esse tipo de política sempre resultou em marginalização, e o Brasil assumiu diversos compromissos internacionais de reverter isso”, diz ela, atualmente pesquisadora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). “Apartar [os alunos surdos dos demais] é uma afronta aos direitos humanos. A inclusão é fundamental para as pessoas com e sem deficiência.” DEFICIÊNCIAS Também a partir dos dados do censo escolar, estudo feito pelo movimento Todos pela Educação mostra que a redução do número de matrículas entre 2011 e 2016 ocorreu não só entre surdos, mas também entre pessoas com deficiência auditiva (queda de 3%), surdocegos (32%), cegos (10%) e pessoas com baixa visão (8%).
O movimento vai na contramão do que aconteceu com outros grupos de crianças com necessidades especiais. Entre autistas, por exemplo, houve alta de 169% nas matrículas, atribuída não só à inclusão, mas também a uma possível ampliação do diagnóstico.
Entre pessoas com deficiência física, também houve aumento, de 22%. Uma possibilidade levantada é que a adaptação para pessoas com deficiência física exija da escola um esforço que pode ser concentrado: feita a intervenção de infraestrutura necessária (elevador, por exemplo), resolve-se boa parte do problema da acessibilidade — ainda que seja preciso avançar mais nesse setor.
Já com outros grupos, como o dos surdos, há necessidade contínua de formação de profissionais e de atenção individual ao aluno.
Chama a atenção também no estudo do Todos pela Educação a idade avançada de ingresso no ensino fundamental entre alunos com necessidades especiais: 9,6 anos, quase três a mais do que os demais estudantes.
Para Priscila Cruz, presidente-executiva da entidade, o país deveria aproveitar que a discussão virou o centro das atenções para fazer um diagnóstico preciso da educação especial e adotar medidas de formação e infraestrutura.
“Esse tem sido um tema jogado para baixo do tapete em um momento em que o país tem dificuldade de avançar em grandes médias”, diz Cruz, ressaltando a importância de a escola fazer um esforço para lidar com as diferenças entre os estudantes.
“
Esse problema [da exclusão das pessoas com deficiência] tem sido um tema jogado para baixo do tapete em um momento em que o país tem dificuldade de avançar em grandes metas “
Apartar [os alunos surdos dos demais] é uma afronta aos direitos humanos. A inclusão é fundamental para as pessoas com e sem deficiência
FÁBIO TAKAHASHI, O QUE OS DADOS MOSTRAM Três fatores ajudam a explicar a diminuição Abandono escolar é maior entre os surdos Alunos que tinham até 11 anos em 2011 e não estavam mais na escola em 2016 PANORAMA GERAL DAS DEFICIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO Matrículas de pessoas com deficiências auditivas e visuais vêm caindo, na contramão das outras deficiências Deficiência auditiva, em milhares 36,6 Baixa visão, em milhares 74,5 Surdocegueira 650 Vem caindo o número de alunos que passam a ser considerados surdos no censo escolar Alunos que eram ouvintes e passaram a ser classificados como surdos, em milhares
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Deficiência intelectual, em milhares DIVERSIDADE NA SURDEZ Os tipos de deficiência e suas nomenclaturas Surdez leve ou moderada > Deficiente auditivo: pode usar aparelhos auditivos comuns Surdez severa ou profunda > Surdo sinalizado: se comunica por meio da Libras (língua brasileira de sinais) Surdez, em milhares 35,8 > Surdo oralizado: usa a língua portuguesa (ainda que com ‘sotaque’) e faz leitura labial > Implantado: usa implante coclear, aparelho que pode recuperar boa parte da audição Número de matrículas em geral também vem diminuindo no país Em milhões
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