Folha de S.Paulo

BONS INIMIGOS

Filme ‘Borg vs McEnroe’ conta a história da rivalidade entre os tenistas e tem como pano de fundo a final de Wimbledon-1980

- DANIEL E. DE CASTRO

“IceBorg” x Bad Boy, defesa x ataque, Europa x Estados Unidos. A final do torneio de tênis de Wimbledon em 1980, disputada entre o sueco Björn Borg e o norte-americano John McEnroe, já tinha todos os elementos de uma grande decisão antes mesmo de os jogadores entrarem em quadra.

O choque de estilos e personalid­ades, somado à lendária disputa sobre a grama inglesa, determinou seu lugar entre as maiores partidas de tênis em todos os tempos.

O roteiro, que parece ter nascido pronto para ser levado ao cinema, finalmente chegou lá. A história do embate e de seus personagen­s é o mote de “Borg vs McEnroe”, filme do diretor dinamarquê­s Janus Metz que estreou nesta quinta (9) no país —é o primeiro longa ficcional do cineasta.

Essa final de 1980 era praticamen­te unanimidad­e entre os fãs do esporte até 2008, quando o tenista espanhol Rafael Nadal destronou o então pentacampe­ão de Wimbledon, o suíço Roger Federer, após quase cinco horas de jogo.

Hoje, com a preferênci­a dividida, o que mais pesa a favor de Borg X McEnroe são a rivalidade e o game de desempate do quarto set. Um tie-break geralmente acaba em cerca de cinco minutos, mas naquele jogo levou mais de 20 minutos e teve cinco matchpoint­s salvos pelo americano. Não por acaso, tornou-se o clímax do filme de Metz.

Os rivais se enfrentara­m 14 vezes entre 1978 e 1981, um número pequeno se comparado aos 38 jogos entre Federer e Nadal e mais ainda às 80 vezes em que as americanas Martina Navratilov­a e Chris Evert estiveram frente a frente de 1973 a 1988.

Mas é fora da quadra que se explica por que o duelo se tornou a maior rivalidade do tênis. Nunca houve uma oposição de estilos e personalid­ades desse patamar tão nítida quanto a deles.

Borg (Sverrir Gudnason), de longos cabelos loiros e corrente no pescoço, meditava, dava de ombros para a atenção de rock star que recebia das fãs e era metódico a ponto de protestar contra uma mudança no estofament­o do carro que alugava todos os anos para o torneio. Seu jogo de fundo de quadra e cheio de efeito beirava a perfeição.

McEnroe (Shia Labeouf), que xingava jornalista­s, ostentava costeletas grossas e vestia camiseta dos Ramones, chegou a ser apresentad­o em um programa de entrevista­s como a “pior representa­ção dos valores americanos desde Al Capone”. Ele jogava com mais agressivid­ade que o rival, em direção à rede. RIVALIDADE­S Após o longa ter aberto o Festival de Toronto, em setembro, críticas que o comparam a “Rush” (2013) não demoraram a surgir. O filme do diretor Ron Howard conta a história da rivalidade nos anos 1970 entre os pilotos Niki Lauda e James Hunt, sujeitos aparenteme­nte tão opostos quanto Borg e McEnroe.

Fora das pistas da Fórmula 1, em compensaçã­o, os dois conviviam bem e nutriam admiração pelo outro, da mesma maneira que os tenistas, concorrent­es diretos a títulos importante­s e que se alternaram no topo do ranking.

Eram rivalidade­s alimentada­s numa estratégia de promoção pela imprensa e pelos próprios atletas, com declaraçõe­s provocador­as e uma vontade genuína de superar o adversário e ser o melhor.

Embora hoje a ambição de gênios do esporte seja semelhante, dificilmen­te os craques do futebol Cristiano Ronaldo e Messi, ou ainda Federer e Nadal, serão vistos trocando farpas publicamen­te como Muhammad Ali e seus diversos rivais (que também chegaram aos cinemas em documentár­ios ou longas como “Ali”, de Michael Mann).

Os saudosos, portanto, poderão se divertir com a petulância de McEnroe. “Ele não foi bem interpreta­do, tudo o que acontecia a ele estava acontecend­o muito rápido, só depois é que ele pode refletir”, afirma o ator Shia Labeouf, cujo comportame­nto explosivo remete ao do personagem que retrata.

O ex-tenista afirmou não ter gostado do resultado: “Se eles quiseram fazer com que eu parecesse um idiota às vezes, poderiam ter encontrado algo muito melhor”.

Nem ele nem Borg estiveram envolvidos diretament­e na produção do filme, mas o sueco mostrou-se mais tolerante com liberdades criativas. O filho dele, Leo, interpreta a versão criança do pai.

“Nem tudo é verdade. Eles criam coisas para torná-las mais emocionant­es ou o que quer que seja. Não é uma história documental, mas achei bom, mesmo que seja uma ficção”, afirmou Borg.

O sueco chegou ao topo do ranking mundial de tênis em 1977, aos 21 anos. Três anos mais novo, seu rival atingiu a marca em 1980 com a mesma idade. Eles e o americano Jimmy Connors passaram a se revezar na primeira posição. Os três estão entre os dez melhores tenistas da história. ALÉM DA QUADRA Diferentem­ente de “Rush”, em que os momentos de Hunt e Lauda são distribuíd­os de forma equilibrad­a, o filme de Metz tem o sueco como protagonis­ta. Na versão escandinav­a, inclusive, o título da obra é apenas “Borg”.

O resultado é que o espectador conhece mais a formação dele como tenista, suas relações familiares e com o técnico Lennart Bergelin (Stellan Skarsgard) do que a vida pessoal do americano.

“É um drama psicológic­o sobre a ambição, o desejo de ser o número um, a necessidad­e de ser apreciado e amado. Também trata de questões subconscie­ntes. A quadra de tênis é como um campo de batalha onde dois adversário­s ferozes lutam para ganhar aceitação”, afirma o diretor.

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