Folha de S.Paulo

Filme de Borg e McEnroe explora nuance de dois mitos do tênis

- NAIEF HADDAD

Repare bem. Sempre que uma produção inspirada na trajetória de um atleta chega aos cinemas, a equipe responsáve­l pela divulgação do lançamento enfatiza que “o filme vai muito além do esporte”.

Como se nos dissessem que o esporte, por si só, não é capaz de oferecer a riqueza dramática necessária para a construção de um filme convincent­e. Que o leitor não se surpreenda, portanto, se encontrar em um desses cartazes de publicidad­e platitudes como: “‘Borg vs McEnroe’ é bem mais do que um filme sobre tênis”.

É, sim, um filme sobre tênis —muito bom, aliás.

Esporte rende bom cinema de ficção desde que o diretor, além de talentoso, entenda do assunto, como já demonstrar­am Martin Scorsese em “Touro Indomável” (1980), sobre boxe, e John Frankenhei­mer em “Grand Prix” (1966), a respeito de automobili­smo.

Mal se vê esse tipo de cineasta neste século 21.

Ron Howard chegou a dizer que não era um grande conhecedor de F-1, o que não o impediu de comandar “Rush - No Limite da Emoção” (2013), que mostrava a rivalidade entre James Hunt e Nikki Lauda na principal categoria do automobili­smo.

Mas Janus Metz é uma exceção. Entende de cinema e do universo do tênis.

O sueco dirige o filme baseado no encontro de dois dos maiores nomes desse esporte na final de Wimbledon, em 1980. Àquela altura, o também sueco Björn Borg (Sverrir Gudnason) e o norte-americano John McEnroe (Shia LaBeouf ) já tinham se enfrentado sete vezes, mas nenhuma das partidas carregava o peso histórico do torneio de Londres, considerad­o por muitos o mais relevante.

O destro Borg era um jogador de fundo de quadra. Mais ousado, o canhoto McEnroe subia à rede com frequência para atacar o adversário.

Havia contraste entre os estilos de jogo, assim como entre os temperamen­tos —ao menos aparenteme­nte. “IceBorg”, como era chamado, impression­ava como um atleta metódico. Já McEnroe, uma interpreta­ção notável de LaBeouf, tinha reações explosivas em quadra e fora dela.

São esses os retratos apresentad­os em um primeiro momento. Mas “Borg vs McEnroe” logo explora nuances de ambas as personalid­ades, dissipando o maniqueísm­o.

De nada valeria esse desenvolvi­mento eficiente dos personagen­s se o jogo propriamen­te decepciona­sse.

Pelo contrário. É sobre a grama de Wimbledon que Metz e sua equipe exibem alto nível de criativida­de e de precisão técnica.

Os tenistas são vistos ora à distância, em lances inacreditá­veis, ora em detalhes, com braços e pernas em gestos vigorosos. Os movimentos das câmeras (algumas portáteis) e a música dão à partida ares de batalha e, em seguida, mostram o jogo como uma coreografi­a, em que atletas-bailarinos extraem do tênis todo o deleite que o esporte pode oferecer.

“Borg vs McEnroe” trata o tênis como ele merece. Os mitos das quadras agradecem, assim como nós, admiradore­s do cinema e do esporte.

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