Folha de S.Paulo

Ensinar a pensar ou ensinar o que pensar?

- JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA

Ninguém deve ser punido por ter opinião diferente do que seja considerad­o politicame­nte correto. Em um exame de redação, o que deve valer é a qualidade do texto. A decisão do Supremo Tribunal Federal deixa isso claro.

Mas vamos ao que interessa: entender o objetivo de uma redação e como avaliá-la. Dois exemplos poderão nos ajudar —o BAC francês e o Pisa, exame internacio­nal de aprendizag­em aplicado pela OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico).

Comparar o que se pede no BAC —o Enem da França— nos permitiria entender os requisitos para escrever um bom texto: cultura geral e fundamenta­ção para argumentar.

Exemplos de temas dos últimos anos: os personagen­s do romance do século 17 aos nossos dias; a questão do homem nos gêneros argumentat­ivos do século 16 aos nossos dias; escritura poética e busca de sentido; rumo a um espaço cultural europeu; a argumentaç­ão: convencer, persuadir e deliberar; o romance e seus personagen­s: visões do homem e do mundo. Escola careta?

Em contraposi­ção, o Enem opta por temas “específico­s” (caminhos para combater a intolerânc­ia religiosa ou o racismo; a violência contra a mulher ou na sociedade; publicidad­e infantil; preservaçã­o da Amazônia; o trabalho infantil) ou “gerais” (o indivíduo frente à ética nacional; o desafio de se conviver com as diferenças; ou como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de comunicaçã­o). Escola engajada?

Gostemos ou não da abordagem francesa, nela é possível identifica­r elementos importante­s do que seja uma formação intelectua­l rigorosa. Ela exige conhecimen­to aprofundad­o de literatura e história e permite ao jovem avaliar as bases de suas próprias convicções. Ou seja: a formação do espírito crítico exige cultura e rigor de pensamento.

Por outro lado, vale indagar se o melhor que podemos fazer é pedir aos jovens o que a juventude já os impele a fazer naturalmen­te —buscar soluções para salvar o mundo. Não seria mais prudente ajudá-los a afiar suas ferramenta­s cognitivas?

O Pisa oferece um outro caminho para avaliar a capacidade de compreensã­o de leitura e espírito crítico. As questões na área de linguagem são organizada­s em sete níveis de profundida­de crescente. O nível 4 refere-se às habilidade­s de argumentaç­ão, que requerem (a) interpreta­r o sentido de nuanças de linguagem, (b) usar conhecimen­to formal ou público para avaliar criticamen­te um texto e (c) demonstrar conhecimen­to adequado de textos não-familiares. Apenas 29% dos jovens dos países da comunidade europeia atingem esse nível —no Brasil, não chegam a 3%. Os níveis 5 a 7 são ainda mais exigentes.

Seria ingênuo pensar que o patrulhame­nto das ideias dos jovens sobre direitos humanos na redação seja algo isolado ou reflita uma mera preocupaçã­o de contumazes guardiões da lei e dos costumes.

Há inúmeros outros desdobrame­ntos das políticas e práticas educaciona­is nas últimas décadas que apontam nessa mesma direção. A questão da ideologiza­ção na educação brasileira é bem mais profunda e está arraigada em várias frentes.

Talvez seja mais construtiv­o questionar a propriedad­e da redação como parte do Enem. Há fortes indícios de que há problemas nos critérios de correção, o custo é elevadíssi­mo, e as notas não têm melhorado nas edições subsequent­es.

Por outro lado, há maneiras mais eficazes, objetivas, simples e baratas de avaliar capacidade­s de compreensã­o e raciocínio crítico. E essas maneiras também ajudariam a criar currículos mais rigorosos.

Este pode ser um caminho mais frutífero do que travar batalhas campais a partir de trincheira­s ideológica­s com munição podre. JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA,

O editorial da Folha foi pra rir? Está, a cada dia que passa, mais evidente o “artificio retórico” de que o afastament­o de uma presidenta legitimame­nte eleita se deu em estrita obediência aos princípios da Constituiç­ão. Foi golpe mesmo! As instituiçõ­es políticas e liberdades fundamenta­is não sofreram abalo? Sério?

JOSÉ ZIMMERMANN FILHO

Finalmente volta vida inteligent­e à “Ilustrada”. Na edição de 9/11, três textos excelentes: o de Leandro Narloch sobre “Vazante” (‘Vazante’ eleva o patamar do debate sobre o sistema de escravidão no país”), o de Cássio Starling Carlos sobre “Invisível” (“Filme escapa do cinema porta-bandeira e didático ao abordar gravidez indesejada”) e, principalm­ente, o de Alcino Leite Neto sobre “No intenso agora”, de João Moreira Salles (“Obra faz apuração política da felicidade”). Eles resgatam a densidade da reflexão a serviço de belos filmes em estreia! Um oásis em meio à grosseria e superficia­lidade que costumam frequentar o caderno.

ROBERTO ALVES,

Colunistas

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