Ensinar a pensar ou ensinar o que pensar?
Ninguém deve ser punido por ter opinião diferente do que seja considerado politicamente correto. Em um exame de redação, o que deve valer é a qualidade do texto. A decisão do Supremo Tribunal Federal deixa isso claro.
Mas vamos ao que interessa: entender o objetivo de uma redação e como avaliá-la. Dois exemplos poderão nos ajudar —o BAC francês e o Pisa, exame internacional de aprendizagem aplicado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Comparar o que se pede no BAC —o Enem da França— nos permitiria entender os requisitos para escrever um bom texto: cultura geral e fundamentação para argumentar.
Exemplos de temas dos últimos anos: os personagens do romance do século 17 aos nossos dias; a questão do homem nos gêneros argumentativos do século 16 aos nossos dias; escritura poética e busca de sentido; rumo a um espaço cultural europeu; a argumentação: convencer, persuadir e deliberar; o romance e seus personagens: visões do homem e do mundo. Escola careta?
Em contraposição, o Enem opta por temas “específicos” (caminhos para combater a intolerância religiosa ou o racismo; a violência contra a mulher ou na sociedade; publicidade infantil; preservação da Amazônia; o trabalho infantil) ou “gerais” (o indivíduo frente à ética nacional; o desafio de se conviver com as diferenças; ou como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de comunicação). Escola engajada?
Gostemos ou não da abordagem francesa, nela é possível identificar elementos importantes do que seja uma formação intelectual rigorosa. Ela exige conhecimento aprofundado de literatura e história e permite ao jovem avaliar as bases de suas próprias convicções. Ou seja: a formação do espírito crítico exige cultura e rigor de pensamento.
Por outro lado, vale indagar se o melhor que podemos fazer é pedir aos jovens o que a juventude já os impele a fazer naturalmente —buscar soluções para salvar o mundo. Não seria mais prudente ajudá-los a afiar suas ferramentas cognitivas?
O Pisa oferece um outro caminho para avaliar a capacidade de compreensão de leitura e espírito crítico. As questões na área de linguagem são organizadas em sete níveis de profundidade crescente. O nível 4 refere-se às habilidades de argumentação, que requerem (a) interpretar o sentido de nuanças de linguagem, (b) usar conhecimento formal ou público para avaliar criticamente um texto e (c) demonstrar conhecimento adequado de textos não-familiares. Apenas 29% dos jovens dos países da comunidade europeia atingem esse nível —no Brasil, não chegam a 3%. Os níveis 5 a 7 são ainda mais exigentes.
Seria ingênuo pensar que o patrulhamento das ideias dos jovens sobre direitos humanos na redação seja algo isolado ou reflita uma mera preocupação de contumazes guardiões da lei e dos costumes.
Há inúmeros outros desdobramentos das políticas e práticas educacionais nas últimas décadas que apontam nessa mesma direção. A questão da ideologização na educação brasileira é bem mais profunda e está arraigada em várias frentes.
Talvez seja mais construtivo questionar a propriedade da redação como parte do Enem. Há fortes indícios de que há problemas nos critérios de correção, o custo é elevadíssimo, e as notas não têm melhorado nas edições subsequentes.
Por outro lado, há maneiras mais eficazes, objetivas, simples e baratas de avaliar capacidades de compreensão e raciocínio crítico. E essas maneiras também ajudariam a criar currículos mais rigorosos.
Este pode ser um caminho mais frutífero do que travar batalhas campais a partir de trincheiras ideológicas com munição podre. JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA,
O editorial da Folha foi pra rir? Está, a cada dia que passa, mais evidente o “artificio retórico” de que o afastamento de uma presidenta legitimamente eleita se deu em estrita obediência aos princípios da Constituição. Foi golpe mesmo! As instituições políticas e liberdades fundamentais não sofreram abalo? Sério?
JOSÉ ZIMMERMANN FILHO
Finalmente volta vida inteligente à “Ilustrada”. Na edição de 9/11, três textos excelentes: o de Leandro Narloch sobre “Vazante” (‘Vazante’ eleva o patamar do debate sobre o sistema de escravidão no país”), o de Cássio Starling Carlos sobre “Invisível” (“Filme escapa do cinema porta-bandeira e didático ao abordar gravidez indesejada”) e, principalmente, o de Alcino Leite Neto sobre “No intenso agora”, de João Moreira Salles (“Obra faz apuração política da felicidade”). Eles resgatam a densidade da reflexão a serviço de belos filmes em estreia! Um oásis em meio à grosseria e superficialidade que costumam frequentar o caderno.
ROBERTO ALVES,
Colunistas