Mar processos contra mim”, dizoex-promotor.
Em 6 de março de 2014, quando a presidente era Dilma Rousseff e o Brasil ainda não conhecia a Operação Lava Jato, um ex-promotor de Justiça de La Paz, na Bolívia, tomou um ônibus em direção a Assis Brasil, município acreano com pouco mais de 6.000 moradores na fronteira dos dois países.
Meses antes, Marcelo Ricardo Soza Alvarez, 48, havia renunciado ao cargo por ter batido de frente com o entorno do presidente Evo Morales em um rumoroso e intrincado caso de terrorismo internacional, quando três supostos mercenários foram metralhados em um hotel de Santa Cruz de La Sierra.
Soza dormiu em Assis Brasil duas noites e, no dia 8, foi de carro alugado até a capital do Estado, Rio Branco. Três dias depois, entrou em um avião de carreira e desembarcou em Brasília, onde procurou o posto da Polícia Federal no aeroporto e declarou a intenção de se tornar refugiado no Brasil. Desde então, não mais regressou a seu país de origem.
Mais de três anos depois, Soza ainda aguarda que o Ministério da Justiça, por meio do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), julgue seu pedido e reconheça oficialmente sua condição de perseguido político. Na semana passada, rumores de que o órgão poderia dar uma decisão desfavorável mobilizaram deputados federais. O julgamento do processo, sigiloso, ainda não tem data para ocorrer.
Sem a decisão do Conare, Soza não consegue se registrar na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), não tem o reconhecimento formal de seu diploma de advogado e, por tabela, não consegue trabalhar na área em que ganhou destaque em seu país.
Desempregado, sem poder sacar uma poupança que foi bloqueada pelo governo boliviano, Soza vive dificuldades financeiras, assim como seu antigo guarda-costas, que em setembro de 2014 também buscou refúgio no Brasil.
Ex-tenente da polícia nacional boliviana, José Juan Laguna Saavedra atua em Brasília como motorista da Uber e ainda não teve sua condição de refugiado reconhecida.
Soza vive dias amargos no exílio brasiliense. Desde que deixou a Bolívia, nunca mais se encontrou com a filha, hoje com 11 anos. Seu casamen- to acabou. Quando seu pai morreu, em 2016, ele não pôde comparecer ao enterro, pois precisava de um visto da embaixada da Bolívia.
Caso pise no prédio, Soza teme ser preso pelo governo boliviano, pois passou a ser alvo de uma investigação sob acusação de ter usado o cargo para obter benefícios particulares —o que ele nega.
“Saí do meu país para resguardar minha segurança e integridade física. Acontece que o governo Morales, com outras pessoas, começou a ar- TERRORISMO Os problemas de Soza começaram em abril de 2009, quando foi designado pelo chefe da Procuradoria em La Paz para atuar no caso que ficou conhecido no país como Terrorismo 1.
Soza conta que se dirigiu às pressas a Santa Cruz de La Sierra e ainda pôde ver os corpos dos três homens mortos a tiros no Hotel Las Américas por membros da Polícia Boliviana: os húngaros Eduardo Rósza-Flores e Árpád Magyarosi e o irlandês Michael Martin Dwyer.
Um dia antes, uma bomba explodira no portão da casa do cardeal católico de Santa Cruz, Julio Terrazas.
Segundo a versão do governo boliviano, esses homens integravam um complô que pretendia matar Evo Morales emconexãocomumprojeto político e empresarial separatista na região.
Em seu trabalho, contudo, Soza começou a apontar falhas e mistérios na investigação policial. Segundo ele, havia de fato atividade terrorista na região, mas o caso no hotel apontava para irregularidades cometidas por diversos agentes do Estado, como manipulação de provas.
Quando pediu os nomes dos policiais que haviam participado da operação, Soza foi repreendido. Nunca recebeu resposta. “Depois detectei que as perícias balísticas não combinavam com o cenário original do crime”, afirma o ex-promotor.
Ao mesmo tempo, ele tomou conhecimento de de-