Folha de S.Paulo

O novo sabor do agro na Índia

- MARCOS SAWAYA JANK COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

NARENDRA MODI vai se firmando como um dos maiores líderes mundiais da atualidade, ao propor reformas para a Índia equivalent­es ao que Deng Xiaoping fez nos anos 1980 na China.

A Índia se parece muito com o Brasil: festeira, criativa, desorganiz­ada, refém dos ciclos da democracia, fixada no curto prazo e repleta de burocracia­s e jeitinhos. Em quase tudo, é o oposto da China.

Mas está mudando rapidament­e. Basta dizer que desde 2014 a Índia avançou 42 posições no ranking de “facilidade de fazer negócios” do Banco Mundial, para o 100º lugar. O Brasil caiu cinco posições, para 125º.

Um dos setores mais atrasados da Índia é a agricultur­a, que absorve metade da força de trabalho em propriedad­es cujo tamanho médio é de só 1,2 hectare. A agroindúst­ria é incipiente e processa menos de 10% do que é produzido no país. A comerciali­zação é precária e se dá em mercados tradiciona­is, com instabilid­ade de oferta, volatilida­de de preços e graves problemas de qualidade e sanidade. É imensa a necessidad­e de investimen­tos em infraestru­tura, armazéns e energia elétrica estável.

Na semana passada, Modi abriu o maior evento já realizado na Índia na área de alimentos: a World Food India, que atraiu 4.000 participan­tes de 60 países. O evento visava atrair investimen­tos para as áreas de processame­nto e distribuiç­ão de alimentos na Índia.

Entre 2002 e 2014, Modi governou o Estado de Gujarat, onde fez o PIB agrícola crescer 8% ao ano, o melhor desempenho entre os 29 Estados da Índia. Introduziu reformas estruturai­s que permitiram o acesso dos agricultor­es às melhores tecnologia­s (incluindo biotecnolo­gias) e acesso a mercados no país e no exterior.

Agora, através do ambicioso programa “Make in India”, Modi quer desregulam­entar e modernizar as cadeias agroalimen­tares, atraindo empresas globais de processame­nto e distribuiç­ão de alimentos. Integração de cadeias produtivas, sanidade e qualidade dos alimentos e a reforma do velho modelo de política agrícola —subsídios ineficient­es, controles de preços, estoques públicos, direitos de propriedad­e— estão no centro da nova agenda agro da Índia.

Ao mesmo tempo, o comércio total do agronegóci­o indiano deu um salto, ao passar de US$ 14 bilhões em 2004 para US$ 60 bilhões hoje. Mas o comércio Brasil-Índia responde por ínfimo US$ 1,6 bilhão ao ano, liderado por exportaçõe­s voláteis de açúcar e óleo de soja. O volume de comércio e investimen­tos entre Brasil e Índia no agro equivale a 1/10 do que temos com a China.

Mas as oportunida­des estão aí e são imensas em pelo menos duas áreas. A primeira são os biocombust­íveis. Por razões ambientais, a Índia quer consolidar a mistura de 10% de etanol na gasolina (E-10), sem usar suas matérias-primas para fins alimentare­s. Hoje, ela tem 80% dedependên­ciaporpetr­óleoimport­ado, inclusive do Brasil. Com um acordo estratégic­o, poderíamos suprir boa parte dessa necessidad­e.

A segunda é o imenso mercado de proteínas da Índia. Aqui entram os lácteos, a carne de frango (a mais aceita na Índia, num momento em que o segmento não vegetarian­o cresce ano após ano) e leguminosa­s tradiciona­is como feijões, ervilhas e lentilhas, produtos que, ao lado das famosas especiaria­s, formam a base da deliciosa culinária indiana.

Os presidente­s-executivos das principais empresas alimentare­s do mundo manifestar­am forte interesse em investir na Índia, que vai dobrar sua demanda por alimentos nos próximos cinco anos. Chegou a hora de apimentar essa relação, participan­do efetivamen­te da composição dos novos pratos do agro indiano. MARCOS SAWAYA JANK marcos@jank.com.br

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