Ator marcha para o precipício em novo romance de Fernanda Torres
‘A Glória e seu Cortejo de Horrores’ faz paralelo entre a derrocada do artista e a da cultura nacional
Atriz e colunista da Folha cria protagonista suburbano que ascende pelo teatro e nele encontra sua derrota
em “Tio Vania”, de Tchékhov.
Depois de destacada atuação como Vado, o cafetão de Plínio Marcos (1935-1999) em “Navalha na Carne”, mergulha no cinema autoral e daí para o estrelato nas novelas globais.
Fernanda, atriz global e colunista da Folha, afirma que quis retratar “como era o teatro e ser ator” na época em que ela era criança, quando o desbunde e as primeiras percepções do que era atuar a impressionaram muito.
Mario Cardoso é da linhagem do “Zanoni [Ferrite] que eu vi, do [José] Wilker que eu vi, essa geração de atores com grande ‘sex appeal’”, diz.
O plano mais ambicioso, embora mais difuso, do romance é o despedaçamento da experiência compartilhada da cultura nacional.
O mundo que se desfaz ao longo da trajetória de Mario Cardoso não parece deixar um sucessor, apenas fragmentos. “A transformação tecnológica fez ruir a hierarquia da indústria [cultural]”, diz Fernanda. Seu protagonista sofre tudo isso na pele. COISA DE FÃ Essas e outras 50 histórias ficariam restritas ao público da rádio pública americana, não fosse o tradutor brasileiro Caetano W. Galindo, um fã do podcast.
Galindo mandou um e-mail para Nate DiMeo com a proposta de verter as narrativas para o português e transformá-las num livro —coisa que DiMeo não havia feito nem sequer nos Estados Unidos.
Nate DiMeo é um repórter/ historiador fantástico, capaz de desenterrar todos esses personagens e essas histórias, além de um narrador assustadoramente bom.
Mas há outra razão, suspeito, para que ele consiga manter a tensão e o suspense sempre lá no alto, desde a primeira frase das histórias: é o fato de o material ter sido escrito originalmente para ser ouvido, não lido.
Ao escutarmos um conto produzido para o rádio (assim como ao assistirmos a um filme ou a uma série de TV), temos menos paciência para divagações ou desvios do que ao lermos um livro.
O que já era forte no áudio, agora impresso, ganha ainda mais potência.
É possível saborear, na cadência de leitura de cada um, a prosa fina, enxuta e comovente oferecida pelo autor —e pelo tradutor.