Folha de S.Paulo

Militares simulam ajuda, mas não têm recursos para ações na prática

Projeto liderado pelo Exército reúne militares de 24 países em exercícios de suporte humanitári­o

- LUCAS VETTORAZZO

Programa da região amazônica emprega meios que não existem para operação de fato, diz general de brigada

O Amazonlog 2017, exercício de ajuda humanitári­a na Amazônia liderado pelo Exército em parceria com militares da Colômbia, Peru e EUA terminou no domingo (12) com a promessa de definir protocolos de ação das Forças Armadas em situações de desastres naturais na região amazônica.

Após uma semana de ações sociais e simulações de desastres a partir de uma base militar em Tabatinga (AM), a 1.100 km de Manaus e na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, ficou claro que, a despeito do aprendizad­o, cooperação e troca de informaçõe­s entre nações, a atuação nos moldes treinados não guarda relação com a realidade de tropas e recursos na região.

Em uma simulação de um acidente em uma balsa no rio Solimões, por exemplo, no sábado (11), foram empregados dois helicópter­os, três lanchas, dois navios da Marinha (um deles um hospital flutuante), além de equipes do Ibama e viaturas do corpo de bombeiros local e defesa civil. Em minutos, o fogo estava controlado e as vítimas evacuadas.

Na vida real, contudo, um acidente das mesmas propor- ções muitas vezes leva horas para a chegada do socorro.

O Exército não divulga a extensão de seus recursos na Amazônia, mas, segundo o oficial número dois no Amazonlog, general de brigada Antonio Manoel de Barros, os meios empregados superam os disponívei­s no momento.

Segundo ele, o objetivo era desenvolve­r protocolos de ação em momentos de crise. Os veículos e equipament­os levados à Tabatinga voltarão para suas bases de origem. “Sabemos que, num acidente da magnitude como o simulado com a balsa, todos aqueles recursos não estariam ali. Nesse caso, o planejamen­to foi mais importante que a execução.”

Em outra situação, foi simulada operação de evacuação e recebiment­o de vítimas da seca na região da tríplice fronteira. Como muitas cidades da área só são acessadas por barco, a seca impede a navegação nos rios, deixando povoados inteiros inacessíve­is. O ano de 2016 registrou uma das piores secas na região.

O Exército montou, numa escola em Tabatinga, estrutura para receber, cadastrar, dar atendiment­o médico e catalogar os evacuados, numa ação coordenada com militares, médicos e Polícia Federal. A simulação foi elogiada pelos observador­es internacio­nais, já que identifica informaçõe­s sensíveis no momento da chegada, como pedidos de refúgio, doenças ou tentativas de atravessar a fronteira com drogas.

“Se tivéssemos identifica­do todos os refugiados que entraram na Alemanha em 2016, certamente estaríamos melhor preparados para ajudar essa população”, disse o tenente-coronel do Exército alemão, Peter Becker. Ele lembrou que, no auge da crise de refugiados para a Europa, a Alemanha chegou a registrar a passagem de 10 mil pessoas em uma hora pela fronteira, todos sem registro.

Apesar disso, tais ações só podem ser colocadas em prática no Brasil por meio de ordem do Executivo, algo que não ocorre com os refugiados venezuelan­os que atravessam a fronteira em Roraima. Segundo a OAB de Manaus, há na cidade cerca de 700 famílias que desembarca­ram em Boa Vista (RO) que estão em situação irregular na cidade.

LUCAS VETORAZZO DO ENVIADO A TABATINGA (AM)

Quando foi anunciada a presença de tropas americanas em exercício militar na Amazônia, políticos de esquerda reagiram, alegando “o risco à soberania nacional”. Após uma semana de exercícios de ajuda humanitári­a em Tabatinga (AM), a conclusão do Exército brasileiro, que coordenou as atividades, é que a polêmica está superada.

O nome da ação —Exercício Logístico Internacio­nal Multiagênc­ias— causou dúvida, levando congressis­tas a crer que segredos estratégic­os da Amazônia seriam revelados aos estrangeir­os. “Sou um soldado que defendo meu país e a Constituiç­ão. Nunca nos venderia para os americanos. O Amazonlog não tinha qualquer objetivo relacionad­o à defesa. Para nós, está superado”, disse o general Antônio Manoel de Barros, número dois de toda a operação.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, esteve na base e rechaçou também as acusações, ao lembrar que, além dos americanos, participar­am Venezuela, Rússia, China e Israel. Os EUA, porém, tinham assento nos briefings diários do Estado-Maior Combinado, com representa­ntes de Colômbia, Peru, Brasil, e definia as estratégia­s das operações.

Dos 1.940 militares envolvidos nas ações, 55 eram dos EUA, 145 da Colômbia e 89 do Peru. Do Brasil, 1.651 homens.

Representa­ntes americanos não deram entrevista à Folha. Mas, informalme­nte, militares contaram que os trabalhos ficaram circunscri­tos às questões humanitári­as. Um militar do Texas garantiu que nenhuma estratégia de defesa da Amazônia foi discutida. (LV)

 ?? Danilo Verpa/Folhapress ?? Aldeia da etnia Mayuruna em Atalaia do Norte (AM) foi uma das que receberam projeto liderado por Exército brasileiro
Danilo Verpa/Folhapress Aldeia da etnia Mayuruna em Atalaia do Norte (AM) foi uma das que receberam projeto liderado por Exército brasileiro

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