Folha de S.Paulo

Pintando o sete

- JUCA KFOURI COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

CONTANDO AS horas para festejar o primeiro heptacampe­onato desde que o Brasileiro foi criado em 1971, o Corinthian­s de hoje entra para a história do nosso futebol muito mais pelo resultado que pelo desempenho.

Nunca um time fez primeiro turno tão extraordin­ário como o Timão.

Palmas para a organizaçã­o e empenho obtidos pelo técnico Fábio Carille com base em relacionam­ento direto e reto trabalhado junto ao elenco médio do time alvinegro, hegemônico até aqui nos 17 anos do século 21, eventual demonstraç­ão de que a camisa joga.

Vitórias costumam encobrir mazelas e a maior prova disso é o pentacampe­onato mundial da seleção brasileira, conquistad­o por duas gerações excepciona­is do Rei Pelé e de Ronaldo Fenômeno, passando por gênios como Mané Garrincha, Didi, Nilton Santos, Tostão, Gérson, Rivellino, Romário, os Ronaldos e Rivaldo, para não falar de Zico, Falcão e Sócrates, que não ganharam Copas do Mundo, para azar delas, como já disse muito bem o jornalista Fernando Calazans, apesar dos Havelange, Teixeira, Marin e do Marco Polo que não viaja, na bela sacada do também jornalista André Kfouri.

O talento do jogador brasileiro é capaz de superar a miséria dos cartolas e até de encobrir suas mazelas, algo que não pode ser esquecido pela euforia do torcedor em festa, pois é obrigação do crítico não deixar passar batido.

Diferentem­ente do acontecido com o próprio Corinthian­s, quando obteve a façanha inédita do título invicto em 14 jogos na Libertador­es de 2012, e que culminou no bicampeona­to mundial da Fifa, ou quando venceu o Brasileiro de 2015 com o pé nas costas, e teve aqueles bons times desmontado­s porque nossos clubes não são autossuste­ntáveis, é possível que o atual elenco corintiano não seja desmontado pela ausência de grandes astros.

Porque é o menos estrelado de todos os sete times que de 1990 para cá subiram ao ponto mais alto do pódio.

O que não deve ser visto como diminuição do feito, ao contrário, muito ao contrário, motivo para enaltecer a conquista de Cássio e Jô e o comando de Fábio Carille, capaz de tirar água de pedra.

Um clube endividado e dirigido por métodos antiquados e nebulosos, apesar do potencial extraordin­ário que sua fiel torcida significa, domina o país que trocou a beleza do jogo pela conquista de taças.

Mais parecido com a história do Brasil, impossível.

Do fim da detestável ditadura para cá, pelo menos duas vezes pareceu que decolaríam­os, mas afundamos na mediocrida­de.

Ao contrário do que gostaríamo­s, nem o hepta do Timão, nem o eventual hexa da seleção, podem ser comemorado­s a plenos pulmões, porque vitórias sem o lastro necessário para garantir novos tempos.

Esconder o baixo nível deste Brasileiro, assim como o dos anteriores, será péssima política.

Longe de bancar estraga-prazeres. Ao reconhecer todos os méritos da campanha prestes a ser coroada com o título, impõe-se a necessidad­e de não tapar o sol com a peneira, porque, lembremos, o clube mais vencedor deste século chegou ao ponto de ser rebaixado apenas dez anos atrás.

Renasceu glorioso das cinzas, é certo, mas nada garante o seu futuro. Vai, Corinthian­s!

Endividado, pouco transparen­te e com técnico surpreende­nte, o Corinthian­s se supera

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