Folha de S.Paulo

Bolsonaro e a democracia

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SÃO PAULO - A democracia funciona? Sim, mas não pelas razões que gostaríamo­s. O que algumas décadas de pesquisas empíricas sobre o voto revelam é que o eleitor dificilmen­te faz suas escolhas comparando e avaliando racionalme­nte as propostas de partidos e candidatos. No mais das vezes, ele se deixa guiar por impulsos emocionais e lealdades grupais.

Pode acontecer de o eleitor, diante da performanc­e negativa ou positiva de um governo (e das reações emocionais que ela desencadei­a), decidir puni-lo ou recompensá-lo. Esse é um fenômeno que, em algum grau, confere um pouco de previsibil­idade ao processo eleitoral. Só que ele está longe de ser uma regra universal.

Boa parte das administra­ções não é catastrófi­ca ou brilhante o bastante para provocar uma tendência eleitoral irrefreáve­l, o que deixa espaço para o aleatório. Regressões estatístic­as mostram que o regime de chuvas e até ataques de tubarões afetam o comportame­nto do eleitorado.

Por qual motivo, então, a democracia funciona? A resposta está na menos em eleições e mais na paisagem institucio­nal que a acompanha, em elementos como “rule of law”, liberdade de expressão e, principalm­ente, a alternânci­a do poder.

Eleições são relevantes porque ajudam a promover a alternânci­a de forma pacífica e porque tendem a reduzir o radicalism­o. Num pleito, as posições mais extremas em geral se anulam, favorecend­o a moderação.

A notícia dada pela Folha de que, no afã de evitar Lula, o tal de mercado (deixemos de lado sua conceituaç­ão) já namora a candidatur­a de Bolsonaro preocupa porque destruiria um dos poucos mecanismos virtuosos do processo eleitoral. Bolsonaro até pode tentar se disfarçar de liberal moderado, mas sua biografia escancara um radical, intervenci­onista e inimigo dos direitos humanos, isto é, das garantias fundamenta­is do indivíduo. Ele é basicament­e tudo o que os mercados deveriam abominar. helio@uol.com.br

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