Eleições e colonoscopia
Não vai faltar recurso
são paulo O mercado do dólar norte-americano é tão dominante que qualquer movimento nos parâmetros da economia dos Estados Unidos provoca ondas de repercussão pelo mundo afora.
Os juros implícitos na dívida pública americana, em papéis do Tesouro com uma década de prazo, sobem como tendência desde julho de 2016. Naquela época, esses títulos pagavam ao credor 1,4% ao ano. Nesta sexta (18), a remuneração era de 3,1%.
Como é típico dos pregões financeiros, o ritmo do movimento tem sido bem acidentado. Um surto de altas vem ocorrendo desde o início de abril e foi acentuado na semana passada.
A inflação, que se estabiliza desde o final do ano passado acima da meta informal de 2% ao ano, e o desemprego muito baixo dão a impressão de que desta vez os juros poderão se sustentar acima do limiar de 3%.
Nos EUA e em praticamente todos os países do mundo, a atividade econômica cresce há dois anos, numa sincronia bastante rara. A resultante de tudo isso é a valorização do dólar em relação às demais moedas e o encarecimento do dinheiro de modo geral.
Empréstimos mais caros, no entanto, não significam reversão abrupta da farta disponibilidade de recursos. Desde setembro de 1981, quando os títulos de dez anos do governo dos EUA pagavam 15,7% anuais e a inflação no país era de 11%, a trajetória dos juros americanos e mundiais é de redução secular.
Por razões nem todas virtuosas, o Brasil finalmente chegou mais próximo dos regimes de juros básicos moderados, vigentes nas economias organizadas desde os anos 1990. A bobagem do BC na semana passada, ao deixar de reduzir uma vez mais a Selic, não modifica o quadro maior.
Continuarão sobrando recursos para financiar nações dispostas a lançar-se na aventura do desenvolvimento. A estagnação brasileira não se explica nem se resolve pela manipulação das grandes válvulas da macroeconomia. Há mais coisas em comum entre política e colonoscopia do que o leitor imagina. Em estudos experimentais sobre a memória, Daniel Kahneman, Nobel de Economia de 2002, mostrou como ela é enviesada para experiências recentes.
Os pacientes de colonoscopia que investigou só se lembram de seus momentos finais. E concluiu à Maquiavel: “Se o final for melhor, mais dor pode ser preferível a menos dor”.
O mesmo vale para eleitores, segundo Larry Bartels, cientista político da Vanderbilt University (EUA). A memória dos eleitores é curta. O eleitorado premia ou pune governantes pelo desempenho da economia no semestre anterior às eleições: o desempenho pregresso não importa.
O autor examinou as eleições presidenciais nos EUA em um período de quase 70 anos (1948 e 2012) e estimou o efeito da taxa de crescimento da renda, por trimestre do mandato, sobre a margem de vitória dos candidatos.
Esse efeito é nulo nos primeiros trimestres, discreto no meio do mandatos e significativo nos dois últimos: cada aumento de um ponto percentual na taxa de crescimento da renda nesse período corresponde a um incremento na margem de vitória de 6%.
Esse achado poderia ancorar expectativas que uma miraculosa melhoria da economia poderia aumentar as chances de candidatos do governo nas eleições deste ano. Essas eram certamente as expectativas do presidente Temer ou mesmo de Meirelles. No entanto, esse raciocínio não se aplica (para além do fato de que tal melhoria já poder ser descartada) porque o governo atual é provisório.
O efeito causal da economia é mediado por incumbentes e não há incumbentes para serem punidos ou premiados: Temer é uma espécie de não-incumbente.
Políticas que levam à reversão de trajetória explosiva ou reformas cruciais não importam para o eleitor médio. Apenas seu impacto interessa. Se efetivo, alavancam incumbentes viáveis, mas são incapazes de levantar cadáveres políticos.
É claro que a inviabilidade poderia resultar de catástrofe econômica, mas no nosso caso resulta de outros fatores: o MDB não tem —nunca teve— candidatos competitivos e Temer tem popularidade pífia.
É certo que importa menos o impacto da economia sobre o núcleo duro de eleitores dos partidos do que sobre a massa dos voláteis. A memória curta arrefecerá o impacto da hecatombe produzida pelo governo Dilma, obscurecendo a clareza de responsabilidade pela crise.
Mas se a economia influirá menos, a corrupção poderá importar mais. E, se a punição aos desmandos é o momento derradeiro no processo da corrupção, ela será bem lembrada pelos eleitores. Como acontece com a colonoscopia.