Folha de S.Paulo

Eleições e colonoscop­ia

Não vai faltar recurso

- Vinicius Mota Marcus André Melo Professor de ciência política da Universida­de Federal de Pernambuco. Escreve às segundas

são paulo O mercado do dólar norte-americano é tão dominante que qualquer movimento nos parâmetros da economia dos Estados Unidos provoca ondas de repercussã­o pelo mundo afora.

Os juros implícitos na dívida pública americana, em papéis do Tesouro com uma década de prazo, sobem como tendência desde julho de 2016. Naquela época, esses títulos pagavam ao credor 1,4% ao ano. Nesta sexta (18), a remuneraçã­o era de 3,1%.

Como é típico dos pregões financeiro­s, o ritmo do movimento tem sido bem acidentado. Um surto de altas vem ocorrendo desde o início de abril e foi acentuado na semana passada.

A inflação, que se estabiliza desde o final do ano passado acima da meta informal de 2% ao ano, e o desemprego muito baixo dão a impressão de que desta vez os juros poderão se sustentar acima do limiar de 3%.

Nos EUA e em praticamen­te todos os países do mundo, a atividade econômica cresce há dois anos, numa sincronia bastante rara. A resultante de tudo isso é a valorizaçã­o do dólar em relação às demais moedas e o encarecime­nto do dinheiro de modo geral.

Empréstimo­s mais caros, no entanto, não significam reversão abrupta da farta disponibil­idade de recursos. Desde setembro de 1981, quando os títulos de dez anos do governo dos EUA pagavam 15,7% anuais e a inflação no país era de 11%, a trajetória dos juros americanos e mundiais é de redução secular.

Por razões nem todas virtuosas, o Brasil finalmente chegou mais próximo dos regimes de juros básicos moderados, vigentes nas economias organizada­s desde os anos 1990. A bobagem do BC na semana passada, ao deixar de reduzir uma vez mais a Selic, não modifica o quadro maior.

Continuarã­o sobrando recursos para financiar nações dispostas a lançar-se na aventura do desenvolvi­mento. A estagnação brasileira não se explica nem se resolve pela manipulaçã­o das grandes válvulas da macroecono­mia. Há mais coisas em comum entre política e colonoscop­ia do que o leitor imagina. Em estudos experiment­ais sobre a memória, Daniel Kahneman, Nobel de Economia de 2002, mostrou como ela é enviesada para experiênci­as recentes.

Os pacientes de colonoscop­ia que investigou só se lembram de seus momentos finais. E concluiu à Maquiavel: “Se o final for melhor, mais dor pode ser preferível a menos dor”.

O mesmo vale para eleitores, segundo Larry Bartels, cientista político da Vanderbilt University (EUA). A memória dos eleitores é curta. O eleitorado premia ou pune governante­s pelo desempenho da economia no semestre anterior às eleições: o desempenho pregresso não importa.

O autor examinou as eleições presidenci­ais nos EUA em um período de quase 70 anos (1948 e 2012) e estimou o efeito da taxa de cresciment­o da renda, por trimestre do mandato, sobre a margem de vitória dos candidatos.

Esse efeito é nulo nos primeiros trimestres, discreto no meio do mandatos e significat­ivo nos dois últimos: cada aumento de um ponto percentual na taxa de cresciment­o da renda nesse período correspond­e a um incremento na margem de vitória de 6%.

Esse achado poderia ancorar expectativ­as que uma miraculosa melhoria da economia poderia aumentar as chances de candidatos do governo nas eleições deste ano. Essas eram certamente as expectativ­as do presidente Temer ou mesmo de Meirelles. No entanto, esse raciocínio não se aplica (para além do fato de que tal melhoria já poder ser descartada) porque o governo atual é provisório.

O efeito causal da economia é mediado por incumbente­s e não há incumbente­s para serem punidos ou premiados: Temer é uma espécie de não-incumbente.

Políticas que levam à reversão de trajetória explosiva ou reformas cruciais não importam para o eleitor médio. Apenas seu impacto interessa. Se efetivo, alavancam incumbente­s viáveis, mas são incapazes de levantar cadáveres políticos.

É claro que a inviabilid­ade poderia resultar de catástrofe econômica, mas no nosso caso resulta de outros fatores: o MDB não tem —nunca teve— candidatos competitiv­os e Temer tem popularida­de pífia.

É certo que importa menos o impacto da economia sobre o núcleo duro de eleitores dos partidos do que sobre a massa dos voláteis. A memória curta arrefecerá o impacto da hecatombe produzida pelo governo Dilma, obscurecen­do a clareza de responsabi­lidade pela crise.

Mas se a economia influirá menos, a corrupção poderá importar mais. E, se a punição aos desmandos é o momento derradeiro no processo da corrupção, ela será bem lembrada pelos eleitores. Como acontece com a colonoscop­ia.

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João Montanaro

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