Folha de S.Paulo

Teste de fogo para o Cade

Conselho precisa avaliar caso Petrobras-UTE Cuiabá

- Gesner Oliveira

Sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP, ex-presidente da Sabesp (2007-11, governos Serra, Goldman e Alckmin) e ex-presidente do Cade (1996-2000, governo FHC)

Poucas vezes o Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica) esteve diante de tema tão impactante na economia. Trata-se da recusa da Petrobras em fornecer gás natural à Âmbar, proprietár­ia da Usina Termelétri­ca de Cuiabá, sua concorrent­e no mercado de geração de energia termelétri­ca.

O preço da energia é importante fator de pressão inflacioná­ria. Uma forma de contê-la é justamente a possibilid­ade de acionar térmicas mais baratas.

Em novembro do ano passado, o Operador Nacional do Sistema de energia elétrica, preocupado com a escalada dos preços, inclusive com acionament­o de bandeira vermelha, fez apelo à Petrobras para que fornecesse gás natural à UTE Cuiabá. Porém, até hoje aquela usina continua parada por falta de combustíve­l e apelou ao Cade para obter do fornecedor monopolist­a o insumo essencial.

Poucas vezes o Cade esteve também diante de caso tão claro de conduta anticompet­itiva: um fornecedor monopolist­a que recusa insumo essencial a seu concorrent­e. A consequênc­ia imediata é a exclusão do mercado.

Mas o mais surpreende­nte dessa crônica de uma morte anunciada é que a sociedade corre o risco de nem sequer ver o Tribunal do Cade analisar a questão.

Isso porque a Superinten­dência Geral do Cade (“SG-Cade”) decidiu não só que o processo deve ser arquivado, como também que não precisaria ser revisto pelo seu Tribunal.

O argumento para tanto é o de que a participaç­ão de mercado da UTE Cuiabá não seria significat­iva.

O Tribunal do Cade somente analisará a questão se algum conselheir­o decidir espontanea­mente avocar o processo.

Se isso não ocorrer, será criado talvez o precedente mais grave e anticompet­itivo da história do conselho.

Um precedente que poderá abrir as portas para que fornecedor­es monopolist­as verticalme­nte integrados recusem ou criem dificuldad­es para o fornecimen­to de insumos a concorrent­es menores ou mesmo para que frustrem novas entradas no mercado.

A ideia de que um monopolist­a possa escolher seus concorrent­es no elo seguinte da cadeia causa arrepio ao bom senso antitruste.

E a simples ameaça de que um precedente do gênero possa ser firmado sem análise pelo Tribunal causa arrepio a todos aqueles que trabalhara­m arduamente para que o Cade se tornasse uma referência mundial na defesa da concorrênc­ia.

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