Folha de S.Paulo

Ciro Gomes faz seus lances

A primeira cartada foi manter distância do discurso petista contra a Lava Jato

- Celso Rocha de Barros Doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra) DS Q Q S S Elio Gaspari e Janio de Freitas | Celso Rocha de Barros | | Elio Gaspari | Janio de Freitas | Reinaldo Azevedo | Demétrio Magnoli

Até o momento, nenhum candidato nas eleições presidenci­ais de 2018 jogou tão bem com as cartas que tinha na mão quanto Ciro Gomes.

As cartas que recebeu da sorte eram, diga-se, bem ruins. Se Lula fosse candidato, Ciro entraria na disputa como nanico. Seu partido não é grande o suficiente para lhe oferecer muita coisa em termos de tempo de TV ou dinheiro do fundo partidário.

E, no entanto, desde o início do ano, Ciro tem dado sorte,

T e tem sabido aproveitá-la.

Sua campanha começou, efetivamen­te, quando Lula foi preso. A maior parte do legado de Lula ainda está em disputa, mas Ciro conseguiu atrair lulistas suficiente­s para empatar tecnicamen­te com Alckmin no segundo pelotão, logo depois de Bolsonaro e Marina.

Pouco depois, foi um dos beneficiad­os pela desistênci­a de Joaquim Barbosa, um candidato de temperamen­to semelhante que também concorreri­a pela centro-esquerda.

E Ciro fez duas jogadas que, se derem certo, podem lhe dar a presidênci­a.

A primeira foi manter distância do discurso petista contra a Lava Jato. Ciro não tem contra si acusações de corrupção. Em 2018, depois da Lava Jato, é uma tremenda vantagem, talvez a única carta boa que Ciro tinha desde o início. Se Ciro comprar o discurso “a Lava Jato é uma mentira”, está abdicando dessa vantagem. Por que faria isso?

Joel Pinheiro da Fonseca Lula jamais faria, se estivesse na mesma situação.

Enquanto isso, Ciro espera que os apoios petistas venham naturalmen­te. Os governador­es petistas vêm namorando o pedetista. A última coisa que desejam, no momento, é ir para o martírio em protesto contra a prisão do ex-presidente Lula. Precisam fazer alianças, precisam ter candidato a presidente, e Ciro parece uma alternativ­a razoável.

Essa aproximaçã­o também é importante por outro motivo: o discurso atual do PT é bastante radical, e muito incentivad­o pelos candidatos a deputado petistas. Os governador­es não têm o menor interesse nisso, e, em suas administra­ções, têm feito ajustes fiscais significat­ivos. Se a disputa entre parlamenta­res e governador­es petistas se acirrar, Ciro pode sair ganhando.

Por outro lado, Ciro já declarou que não fará aliança com o PMDB. Nós aqui, eu, você, lemos isso como “Opa, aqueles picaretas todos do Temer vão sair do governo!”.

Mas os picaretas do baixo clero (PP, Solidaried­ade, etc.) ouvem isso e pensam: “Opa, aqueles cargos todos que estão com o PMDB podem vir pra gente!”.

Talvez Ciro não lhes deixe roubar, mas o Centrão se pergunta se não vale a pena testar isso. Também se pergunta a mesma coisa com relação a Bolsonaro.

O fato é que, ao contrário de Marina, Ciro tem disposição para negociar com os partidos políticos tradiciona­is brasileiro­s, que devem manter sua maioria no Congresso no ano que vem.

Tudo isso pode dar errado, e Ciro pode ficar pelo caminho. Se os governador­es petistas ameaçarem romper com o PT, Lula vai ter que mudar sua estratégia. Alckmin e/ou Temer devem ter meios para pressionar o Centrão.

Mas persiste o fato: na turma da frente, só Bolsonaro, Marina e Ciro estão fora da Lava Jato. E, entre esses, só Ciro Gomes está jogando como profission­al. O que ainda não sabemos é o quanto isso vale em 2018, quando o ceticismo popular com relação ao próprio jogo é intenso. Duvido que não valha nada.

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