‘Paz com Farc tem de ser instrumento de união’
Prefeito que recuperou Medellín, Sergio Fajardo aposta na rejeição a siglas tradicionais para se eleger na Colômbia
buenos aires Quando assumiu a Prefeitura de Medellín, em 2004, o matemático e professor Sergio Fajardo, 61, era um outsider na política. Porém, com seus apoiadores, desesperava-se porque “algo tinha de ser feito” pela cidade em que haviam nascido.
De fato, Medellín tinha sido sede do sanguinário cartel de Pablo Escobar (1949-1993) nos anos 1980-90. Mas, mesmo depois de morto o traficante e dissolvido seu grupo, a cidade ainda não havia encontrado a paz, o crime organizado continuava operando e taxa de homicídios era de 100 para cada 100 mil habitantes — tornando-a uma das mais violentas do hemisfério.
Hoje, a cifra é de 27 por cada 100 mil habitantes, uma queda que começou na gestão de Fa- jardo e não parou mais. A resposta, diferentemente do que muitos creem, não foi a adoção de uma política de segurança linha-dura, e sim de reformas urbanas.
Elas incluíram a construção de vias conectando o centro a bairros afastados, mais parques e locais de encontros, teleféricos e bibliotecas em bairros pobres, obras que continuaram a ser tocadas pelos governos seguintes. As medidas de Fajardo transformaram Medellín em caso de sucesso e foram copiadas por outros países, como Brasil e Bolívia.
Hoje, o ex-professor de matemática já não é mais um outsider —depois da prefeitura de Medellín, foi governador do departamento de Antioquia, onde também reduziu as taxas de mortalidade.
Porém, se mantém à distância dos grupos históricos do poder ligados à elite de Bogotá. Agora, concorre à Presidência da Colômbia pelo partido Compromisso Cidadão, na eleição do domingo (27).
Candidato de centro-esquerda, é o que mais cresce nas pesquisas na reta final do primeiro turno. Com 18%, sonha em chegar ao segundo, em 17 de junho, e compete com o direitista Iván Duque, apoiado pelo ex-presidente Álvaro Uribe (41,5%), e com o esquerdista e ex-guerrilheiro do M-19 Gustavo Petro (29,5%).
Como as pesquisas colombianas não são confiáveis —erraram feio nos dois turnos das eleições de 2014 e no plebiscito sobre o acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Fajardo continua otimista.
“Nossa candidatura é independente de partidos tradicionais, e hoje há uma rejeição grande em relação a eles [de 80%, segundo a Gallup]. Além disso, nossa proposta rompe com esquemas tradicionais porque vamos construir as propostas econômicas e de desenvolvimento a partir de cada local, levando em conta as potencialidades de cada região, e com a participação dos cidadãos”, diz à Folha.
Fajardo considera que as cidades colombianas têm os mesmos problemas: “mobilidade insustentável (transporte público ruim e muito trânsito), precariedade de moradias, destruição das estruturas de bairros, má gestão da biodiversidade, falta de espaços de encontro e insegurança.”
Isso se resolve, segundo ele, “partindo do reconhecimento da diversidade e da capacidade de trabalhar com os governos locais. As cidades, assim como foi com Medellín, devem se tornar aceleradores do crescimento”.
Para o campo, Fajardo não vê outra saída senão fazer com que a implementação do acordo de paz com as Farc, que vem enfrentando obstáculos principalmente por causa da recusa do Parlamento em aprovar os detalhes para sua execução, seja exitosa.
“O principal ponto do acordo de paz no meu entender é acertar nossas contas com a Colômbia rural e mais vulnerável, que foi a que mais sofreu durante essa guerra. Para isso, vou propor algo complementar, que é um plano para reativar a economia do campo e incentivar o turismo local.”
Fajardo explica que na zona rural também deseja partir das características locais para potencializar as áreas de melhor desenvolvimento.
Quanto às divisões que o acordo de paz ainda causa, e à rejeição de cerca de 50% dos colombianos ao tratado, Fajardo opina que é preciso fazer uma “campanha pedagógica mais intensa para mostrar como a paz é importante, principalmente para essa população vulnerável. Não há outra saída que não uma reconciliação pacífica”.
E acrescenta: “Foi uma oportunidade perdida que tivemos. Em vez de nos unirmos pelo acordo e pela paz em nosso país, estamos divididos sobre o tema até hoje, por razões políticas”.
A rejeição a pontos essenciais do acordo (principalmente as anistias) é uma das principais bandeiras de Iván Duque e de Uribe, que fez campanha aberta contra as negociações. “O acordo tem de deixar de ser um tema que nos divida ideologicamente e virar uma ferramenta de diálogo nacional”, defende Fajardo.
Indagado sobre as dificuldades em se chegar a um acordo parecido com o ELN (Exército de Libertação Nacional), que resiste às negociações e continua cometendo atentados, Fajardo crê que cabe à guerrilha dar um primeiro passo. “Eles não vêm mostrando querer a paz. Devemos ser mais rígidos em exigir-lhes compromisso e resultados concretos.”
Sobre a crise na Venezuela, que já exportou cerca de 1 milhão de refugiados à Colômbia, Fajardo considera o regime de Nicolás Maduro uma ditadura e diz que atuará com a comunidade internacional nas pressões por democracia e liberdade aos presos políticos.
“Minha preocupação mais imediata é estarmos diante de uma grave crise humanitária. Temos o dever de ser solidários com os venezuelanos. Abrirei mais centros de atenção e aumentarei o número de médicos disponíveis. Também devemos melhorar o sistema educativo em nossas zonas fronteiriças e financiar a construção de albergues. Só que não podemos fazer isso sozinhos, precisamos de ajuda dos outros países da região.”