Folha de S.Paulo

A Faixa de Gaza e o silêncio

Manter a cartilha do século passado condena os palestinos ao fracasso

- Jaime Spitzcovsk­y Jornalista, ex-correspond­ente da DSTQ S S em Moscou e Pequim Clóvis Rossi | Jaime Spitzcovsk­y, Mathias Alencastro |

A “grande marcha” do Hamas, grupo fundamenta­lista no poder desde 2007 na Faixa de Gaza, começou em 30 de março, com concentraç­ão de milhares de manifestan­tes na fronteira com Israel.

Naquele dia, 29 pessoas morreram, após reação israelense.

O roteiro trágico previa a repetição dos protestos a cada sexta-feira, com o ápice agendado para 14 de maio, quando dos 70 anos da independên­cia do Estado judeu.

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Na segunda passada, mais 62 mortes, segundo fontes palestinas.

Ao longo de seis semanas da “grande marcha”, a tragédia se consolidou, como que em câmara lenta. E, apesar do enorme lapso temporal, não se verificou intensa pressão internacio­nal para mudar a estratégia do Hamas. Assistiu-se, cinicament­e, ao desfecho funesto.

Por que, ao longo de mais de 40 dias, grupos pró-direitos humanos, partidos de esquerda e outras organizaçõ­es a bradarem preocupaçã­o com vidas e com a paz não exerceram uma blitz política sobre o Hamas, para garantir o caráter pacífico da manifestaç­ão em Gaza?

Qual a intensidad­e de textos e análises jornalísti­cas exortando palestinos a exercer o legítimo direito de protesto sem, por exemplo, ameaçar derrubar a cerca da fronteira?

Nos protestos, discursos do Hamas pediam a queima de pneus, numa cortina de

Clóvis Rossi fumaça para lançamento de coquetéis molotov.

Entre os 62 mortos na segunda-feira, 50 integravam o grupo fundamenta­lista, afirmou Salah Bardawil, dirigente do Hamas, em entrevista à Baladna, canal de TV de Gaza.

Derrubar a cerca significar­ia tragédia colossal. Milhares de pessoas cruzariam a fronteira, sob a bandeira do Hamas, organizaçã­o a defender a destruição de Israel.

Infelizmen­te,otomda“grande marcha” não se inspirava em teses gandhianas ou na estratégia de negociação de Nelson Mandela.

O movimento palestino, sobretudo sob a liderança do Hamas, incorre em erro histórico. Sustenta a visão ultrapassa­da de “movimento de libertação nacional”, em voga na luta contra potências coloniais, no século 20.

Baseada em luta armada e no desdém pela vida de civis, a estratégia guiou guerrilhei­ros em vários capítulos sangrentos da história contemporâ­nea.

Manter a cartilha do século passado condena os palestinos a fracassar na construção de um país.

Primeiro, porque a fórmula foi vencida pela história. Segundo, porque Israel, ao contrário do que imaginam alguns de seus detratores, está longe ser uma empreitada colonial. É simplesmen­te o exercício de soberania de um povo em sua terra ancestral.

A busca da solução de dois Estados para o conflito israelo-palestino passa necessaria­mente pelo fim da fracassada estratégia do Hamas.

Ataques com foguetes e atentados terrorista­s fortalecem, na sociedade israelense, forças políticas refratária­s ao diálogo e em alta nos últimos anos, eclipsando setores empenhados em construir canais de diálogo.

Em 1948, a partir de decisão da ONU, Israel proclamou sua independên­cia e, na sequência, foi atacado por cinco países árabes. Sete décadas depois, já está na hora de o movimento palestino pensar em novas estratégia­s.

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