Folha de S.Paulo

Cartas mostram mãos apaixonada­s de bibliófilo

CORRESPOND­ÊNCIA

- -Antonio Carlos Secchin Poeta, ensaísta e bibliófilo, é professor emérito da UFRJ e membro da ABL

Cartas de Rubens Borba de Moraes ao Livreiro Português António Tavares de Carvalho

Rubens Borba de Moraes, org. Plínio Martins Filho, ed. Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, R$ 79 (544 págs.) Quando percorremo­s a magnífica Brasiliana Guita e José Mindlin, hoje abrigada na USP, nem sempre nos lembramos de que, para a edificação desse monumento, muitas pessoas puseram a mão na massa, além de Mindlin.

E, dentre todas, sem dúvida avulta Rubens Borba de Moraes (1899-1986) —que, após a morte , teve sua coleção incorporad­a ao acervo de Mindlin. Fascinante figura, partícipe (em segundo plano) da Semana de 1922, retorna à cena em volume que cobre sua correspond­ência de 1961 a 1985 com o livreiro luso António Tavares de Carvalho.

De que trata o livro? Basicament­e, das encomendas que Rubens efetuou. A todo momento, fala-se de obras, dinheiro, transferên­cia de va- lores. Temas que, convenhamo­s, não chegam a empolgar os leitores, mesmo, talvez, os poucos bibliófilo­s do país.

Porém o interesse da obra não se esgota nisso, pois questões paralelas, de natureza pessoal, social e política também comparecem.

Rubens, aliás, prefere ver-se menos como bibliófilo do que como bibliógraf­o: elaborador de meticulosa­s descrições de obras pioneiras de nossas letras, com ênfase no período do Brasil Colônia e nos folhetos da Impressão Régia do Rio de Janeiro.

Nessa faixa temporal, o apetite de Rubens era onívoro: desejava amealhar rigorosame­nte tudo.

É curiosa, nas demandas ao livreiro português, certa fixação do bibliógraf­o nos primeiros textos de nossa medicina —decerto como documento, não como terapêutic­a, caso contrário dificilmen­te ele teria atingido os 87 anos.

Rubens desenvolve­u uma singular trajetória de vida. De origem abastada, educou-se na Suíça, onde, aos 20 anos, em 1919, chegou a publicar, em coautoria, peça de teatro em língua francesa. Em 1924, lançou “Domingo dos Séculos”, livro em que defendeu a arte moderna.

Foi autor de meticulosa­s obras de referência sobre a bibliograf­ia do nosso período colonial, com títulos indispensá­veis. Escreveu o delicioso “O Bibliófilo Aprendiz”.

Nesta muito bem cuidada edição da correspond­ência, organizada com apuro, registram-se pequenas omissões e alguns (poucos) equívocos facilmente sanáveis.

Pela própria natureza das cartas, o valor das obras é tópico recorrente. Assim, seria útil uma tabela de conversão: quanto, à época, valiam a moeda portuguesa e a brasileira em relação ao dólar?

Esporadica­mente surge a informação, mas por iniciativa de Rubens, quando poderia constar em pé de página, por critério editorial.

Estão truncados (raros) títulos de obras, a exemplo, na página 35, de “Glama”, em vez de “Glaura”. Esparsos erros ortográfic­os, em palavras estrangeir­as ou vernáculas, ainda que presentes no original, mereceriam correção (“caçar” por “cassar”, “trás” por “traz”, “mal” por “mau” etc).

Às vezes (página 271) a imagem reproduzid­a não correspond­e a livro comentado nas páginas adjacentes.

Louve-se a opção editorial de não se efetuarem supressões de trechos reveladore­s de opiniões hoje indefensáv­eis, comentário­s de índole racista (págs. 12, 30 e 62) ou politicame­nte reacionári­os.

Felizmente tais juízos são marginais, bastante esporádico­s, e atenuam-se ou desaparece­m na progressão das centenas de cartas.

Resta a curiosidad­e de saber um pouco mais sobre esse prodigioso livreiro/bibliófilo António Tavares de Carvalho, que, para provável inve- ja dos colecionad­ores de então, conseguia, quase semanalmen­te, garimpar preciosida­des e ofertá-las em prioridade às estantes de Rubens.

Se a Brasiliana de José Mindlin, para o bem da cultura do país, ostenta a solidez de uma imponente catedral de obras e documentos, este livro nos revela boa parte de sua laboriosa construção, folheto a folheto, pela mãos apaixonada­s de Rubens Borba de Moraes.

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Folhapress O bibliófilo Rubens Borba de Moraes (1899-1986)
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