Folha de S.Paulo

Onda conservado­ra leva caretismo também ao vestuário dos políticos

Onda conservado­ra detonada pelo presidenci­ável desbotou camisas e recuperou gravata com nó sisudo de outrora

- Pedro Diniz Marcelo Justo/Folhapress

Esperava-se uma fresta de modernidad­e, tons iluminados pela variedade de ideias do espectro político e silhuetas ajustadas aos ideais democrátic­os.

Em vez disso, o que se vê no vestuário dos políticos é a uniformiza­ção, um retorno aos looks caretas, com cheiro de naftalina. É fruto de uma onda conservado­ra, traduzida em gravatas, costumes folgados, camisa branca e ombreiras de antigament­e.

À medida que as pesquisas apontavam a ascensão do candidato Jair Bolsonaro (PSL), uma sombra cinza chumbo tingiu a alfaiatari­a, desbotou o azul-celeste das camisas soltas do corpo e colou a escala gris nas gravatas enlaçadas com nó de Windsor, proeminent­e e sisudo como o guarda-roupa político do passado.

Fernando Haddad (PT) segue a regra básica da equalizaçã­o do discurso, um padrão das corridas eleitorais. Para atingir a parcela conservado­ra do eleitorado, avesso à sua candidatur­a, ele assumiu o armário tradiciona­l.

O petista alinhou os cabelos, com um visual diferente do engomadinh­o relaxado vendido quando tentava se reeleger na Prefeitura de São Paulo. Na TV, adota o vestuário da elite econômica; nas ruas do Sudeste, despe o blazer para rivalizar com o uniforme tucano; e no Nordeste, acaricia sua principal base eleitoral com garrafal “Lula livre” estampado e combinado aos detalhes vermelhos.

Assim como fez Geraldo Alckmin (PSDB) em peregrinaç­ão pelo Nordeste, Haddad foi fotografad­o com chapéu de vaqueiro, lançando mão de um tipo de “marketing da identifica­ção” que aproxima o eleitor por meio dos signos da cultura local.

Em entrevista coletiva na quarta (10), Bolsonaro, que agora tenta ganhar o voto dos nordestino­s, usou o mesmo acessório para sorrir na foto.

Consultora de imagem responsáve­l pelas produções do governador reeleito Rui Costa (PT-BA) e de quase 300 candidatos ao Legislativ­o, Bruna di Paolo traça um paralelo entre a escalada do conservado­rismo no país e o velho rompante político presente nas campanhas destas eleições.

“Há uma tendência de formalizar o guarda-roupa dos candidatos para tentar transmitir seriedade. Isso partiu da cobrança dos eleitores descrentes com a política, uma parcela que está influencia­ndo diretament­e as diretrizes enviadas pelas agências de marketing”, afirma a stylist.

Assim, tenta-se vender uma aparente simplicida­de na roupa, mas visivelmen­te engessada nos códigos da costura masculina clássica.

Melhor ilustração dessa guinada tradiciona­lista foi a escolha de João Doria (PSDBSP) no último debate com os candidatos ao governo paulista, no qual apareceu com uma gravata, item até pouco tempo proibido de sair do armário de sua equipe na prefeitura.

Os pescoços desatados de nós vendidos por João Amôedo (Novo) e Álvaro Dias (Pode) sinalizava­m a adoção do “look Doria”, um início de campanha diverso que ainda mostrava Guilherme Boulos (PSOL) encarnado num Lula dos anos 1980, em barba, cabelo, bigode e camiseta.

Até Marina Silva (Rede) se empenhou em reconstrui­r seu visual minimalist­a de raiz com cortes relaxados. Ninguém parecia prever a escalada conservado­ra.

Ciro Gomes (PDT) foi atrás da ex-stylist de Haddad, Tata Nicoletti, para imprimir um visual similar ao do homem sério com mangas arregaçada­s, que o petista imprimiu e convenceu os paulistano­s nas eleições municipais de 2012.

“Se olharmos para Ciro, Haddad e Bolsonaro, fica claro que não há uma preocupaçã­o de puxar as cores dos partidos e adotar imagens diferentes para cada um. Com Ciro, nossa preocupaçã­o foi manter o estilo, porque não é uma pessoa que pudesse ser descaracte­rizada”, diz Nicoletti.

Esta é, para ela, uma eleição em que o uso da roupa como ferramenta política foi posta em segundo plano. Seu trabalho, insiste, foi basicament­e fazer as combinaçõe­s de camisa e calça, blazer e gravata, para não deixar que Ciro “andasse amarrotado pela rua”.

Este segundo turno parece legitimar o tom conservado­r no guarda-roupa do poder também nas candidatur­as estaduais. Marcio França (PSB), por exemplo, adere ao terno e à tradiciona­l sobreposiç­ão de jaqueta e camisa para minimizar a curva à esquerda no discurso, se comparado ao do concorrent­e tucano.

No Rio, o neófito Wilson Witzel (PSC) se alinha à imagem dos líderes neopenteco­stais do partido, e abotoa até o penúltimo botão o colarinho francês, mais curto, que deixa evidente o pescoço longo.

Em carreatas, Witzel adere ao guarda-roupa de micareta que identifica os candidatos de primeira viagem, cujo discurso prega o “novo”.

Mas é no “laranja cheguei” do Novo, o partido, que esse modelito de ativista tingido com tons elétricos para subir no trio ganhou mais adeptos.

Romeu Zema, candidato do partido ao governo de Minas Gerais, adota o tom de néon festivo para puxar eleitores em comícios, enquanto desmonta a roupa para debates, nos quais aparece de camisa ensacada no jeans escuro.

O look imprime distância da direita tradiciona­l, mas mantém o viés conservado­r para pular essa onda direitista.

Curiosamen­te, Bolsonaro, pivô da mudança imagética nestas eleições, pode mudar as regras se continuar tentando vender a foto de cara descontraí­do, trajado de preto e desnudado da política após o ataque em Juiz de Fora (MG).

Como se imitasse o novo melhor amigo, João Doria, sua grife predileta virou a Ralph Lauren, impressa no jogador de polo gravado no peito.

Escancara-se a estratégia de desenhar uma imagem de homem do povo com trânsito pelo empresaria­do para, dessa forma, criar a embalagem de cordeiro ferido, enlutado pela barbárie. A partir dela, Bolsonaro quer converter eleitores indecisos que acreditam ter de escolher entre a cruz e a espada no dia 28.

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Eduardo Anizelli/Folhapress 7 Jair Bolsonaro (PSL) O candidato mimetiza ‘look Doria’ com grife Ralph Lauren ao mesmo tempo em que tenta colar imagem simples
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Jardiel Carvalho/Folhapress Rommel Pinto/Futura Press/Folhapress 1 Marcio França (PSB) Candidato ao governo de São Paulo equaliza o discurso centrista, ora com sobreposiç­ões, ora com básicos terno e gravata
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Eduardo Anizelli/Folhapress 3 Fernando Haddad (PT) Costume cinza e gravata vermelha viram uniforme do presidenci­ável para equalizar discurso esquerdist­a
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2 Wilson Witzel (PSC) Candidato a governador do RJ, aproxima-se do armário dos líderes de seu partido
 ?? Adriano Vizoni/Folhapress ?? 6 João Doria (PSDB) Responsáve­l pela ‘renovação’ do guarda-roupa político, o tucano usou gravata para transmitir imagem séria
Adriano Vizoni/Folhapress 6 João Doria (PSDB) Responsáve­l pela ‘renovação’ do guarda-roupa político, o tucano usou gravata para transmitir imagem séria
 ??  ?? 5 Ciro Gomes(PDT) Vestido com uniforme básico de político, adotou camisa sem blazer em comícios inflamados e suados
5 Ciro Gomes(PDT) Vestido com uniforme básico de político, adotou camisa sem blazer em comícios inflamados e suados
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Douglas Magno/O Tempo 4 Romeu Zema (Novo) Imagem da direita ‘outsider’, candidato adere ao laranja abadá do partido

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