Folha de S.Paulo

Juiz forçou limites da lei para revelar esquema de corrupção

Sergio Moro buscou meios de comunicaçã­o para obter apoio à Lava Jato

- Mario Cesar Carvalho

Sergio Moro é um juiz que acredita em causas e não hesita em forçar os limites da lei para atingir os seus objetivos. O método é polêmico, mas foi com esse tipo de pensamento que Moro conseguiu revelar o maior esquema de corrupção na história brasileira, nos quatro anos da Lava Jato. Ao mesmo tempo produziu uma bomba de hidrogênio que arrasou o sistema político brasileiro e ajudou a eleger Jair Bolsonaro para a Presidênci­a.

Para a causa não ser sabotada por políticos, uma tradição das apurações contra poderosos, Moro foi buscar na Operação Mãos Limpas, realizada na Itália, o ingredient­e que neutralizo­u as tentativas de enterrar as investigaç­ões: o uso da mídia para obter apoio da opinião pública. Sem esse apoio, Moro não teria se tornado o símbolo da luta anticorrup­ção para a população.

Sem esse método, a Lava Jato não teria chegado a figurões do porte do ex-presidente Lula e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Críticos da operação alegam que não vale a pena cometer o que chamam de violação da lei para prender corruptos.

Moro forçou os limites da lei quando a Lava Jato tinha dois meses meses, em maio de 2014, e o ministro do Supremo Teori Zavascki mandou soltar todos os presos por considerar que não havia motivos para prisão preventiva do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.

Em vez de cumprir a ordem, como faria qualquer outro juiz, Moro enviou um alerta ao ministro dizendo que entre os presos havia um traficante de drogas. Teori voltou atrás, manteve as prisões, Costa não aguentou a prisão e decidiu fazer um acordo de delação que mudaria a história.

Costa, um engenheiro de carreira que chegou à diretoria da Petrobras em 2003 por indicação do PP, partido que fazia parte da base de apoio do presidente Lula, revelou que havia um esquema político nas diretorias da estatal. Todos os diretores recebiam propina e repassavam uma parte para seu padrinho político. O relato de Costa seria confirmado por dezenas de outras delações.

Se Moro não tivesse desrespeit­ado a ordem de Teori de soltar os presos, provavel- mente a Lava Jato teria morrido com dois meses de idade.

Turbinado por essa decisão de Teori, Moro forçou ainda mais os limites da lei: decretou prisões preventiva­s com justificat­ivas e prazos mais elásticos doque alei previa, adotou afigurada condução coercitiva, que depois seria reprovada peloSTF, e passou a atu arcada vez mais com um olho no processo e outro na opinião pública.

Foi assim que o juiz virou o super-herói contra a corrupção. Acabou praticando o que a própria corte considerou ilegalidad­es. Amais grave de todas as violações, talvez, tenha sido a divulgação de conversas gravadas entre o ex-presidente Lula e sua sucessora, Dilma Rousseff, quando esta pretendia nomeá-lo ministroch­efe da Casa Civil, em 2016.

A nomeação tinha a intenção clara de tirar de Moro o processo de Lula. Como ministro de Dilma, Lula passaria a ser julgado pelo Supremo.

Moro respondeu na mesma moeda, com o que foi classifica­do com um ato político, algo vetado a qualquer juiz: divulgou as conversas do expresiden­te com Dilma com o objetivo nunca declarado de minar o plano de Lula. Como Dilma era presidente, um juiz de primeira instância não teria autoridade para gravá-la e muito menos divulgar o conteúdo das conversas.

Moro passou por cima desse veto, conseguiu o seu objetivo de evitar que Lula virasse ministro, mas levou o maior puxão de orelhas de Teori na Lava Jato. Para contornar a lei, o juiz disse que a conversa tinha “interesse público”.

Teori não aceitou a alegação e mandou anular as provas: “Não há como conceber a divulgação pública das conversaçõ­es do modo como se operou, especialme­nte daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigaç­ão criminal”. Moro pediu desculpas ao STF, mas em entrevista ao programa “Roda Viva”, em março deste ano, declarou: “Nunca entendi que errei. Aqueles áudios não diziam respeito à vida privada, existam questões ali que eram de interesse público”.

Moro virou alvo de petistas e da esquerda, que classifica­ram o julgamento e a prisão de Lula como atos políticos.

Ao divulgar a delação do ex-ministro Antonio Palocci nas vésperas da eleição vencida por Bolsonaro, Moro rebateu as acusações. Em despacho do dia 1º de outubro, o juiz disse que as acusações de perseguiçã­o política haviam sido refutadas por instâncias superiores da Justiça: “Ninguém está sendo processado ou julgado por opiniões políticas. Há sérias acusações por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro”.

Ao aceitar ser ministro do principal adversário de Lula, Moro já viu a escalada dessas acusações. Aos amigos ele têm dito que não se preocupa com isso, já que acredita ter uma missão maior: o combate à corrupção, algo que ele entende muito, e ao crime organizado, assunto do qual ele é fanático leitor, sobretudo de livros sobre a máfia italiana.

 ?? Estelita Hass Carazzai/Folhapress ?? Moro em voo para o Rio de Janeiro, antes de se encontrar com o presidente eleito, Jair Bolsonaro
Estelita Hass Carazzai/Folhapress Moro em voo para o Rio de Janeiro, antes de se encontrar com o presidente eleito, Jair Bolsonaro

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