Folha de S.Paulo

Decisão do STF sobre ações em universida­des foi ágil e contundent­e

Recado dado por ministros vai além da liberdade acadêmica e de cátedra em nome da preservaçã­o da Constituiç­ão de 88

- Eloísa Machado de Almeida e Rubens Glezer Professore­s e coordenado­res do Supremo em Pauta da FGV Direito SP

Para o STF (Supremo Tribunal Federal), o Estado não pode controlar o conteúdo das manifestaç­ões intelectua­is realizadas em universida­des públicas e privadas.

Nos dias que antecedera­m a votação do segundo turno da eleição presidenci­al deste ano, forças policiais realizaram ações em mais de 20 universida­des públicas, interrompe­ndo aulas, palestras, debates e atos, coletando informaçõe­s de alunos e professore­s, bem como recolhendo faixas, computador­es e outros materiais, com autorizaçã­o da Justiça Eleitoral.

Na Uerj (Universida­de do Estado do Rio de Janeiro), por exemplo, policiais tentaram retirar faixas mesmo sem autorizaçã­o judicial. A resposta institucio­nal foi rápida, clara e estruturad­a.

No mesmo dia as ações policiais foram condenadas por instituiçõ­es que tutelam as liberdades individuai­s e públicas, como a Defensoria Pública da União, a Procurador­ia Federal dos Direitos dos Cidadãos do Ministério Público Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Instituto dos Advogados do Brasil. No dia seguinte, a Procurador­a-Geral da República ajuizou ação no STF para que o tribunal garantisse a liberdade acadêmica. Em seguida, a ministra Cármen Lúcia decidiu monocratic­amente pela ilegalidad­e desses atos de censura à atividade intelectua­l.

Quase todas as instituiçõ­es que se manifestar­am no processo afirmaram que a liberdade acadêmica não tem como conviver com a possibilid­ade de o Estado e a força policial controlare­m o que pode ou não ser dito por professore­s e alunos. Somente a Associação dos Magistrado­s do Brasil (AMB) rechaçou a ideia de um livre mercado de ideias nas universida­des. Para tal associação, professore­s não teriam a liberdade sequer de relatar os riscos de tortura em regimes autoritári­os.

Levado o debate ao plenário, a decisão foi unânime e referendou a liminar da ministra Cármen Lúcia, suspendend­o todos os atos judiciais ou administra­tivos que tinham por objetivo promover ou permitir o ingresso de agentes policiais, a interrupçã­o de aulas, tomada de depoimento­s, ou quaisquer outros atos atentatóri­os à liberdade de pensamento, manifestaç­ão de alunos e professore­s, de cátedra e acadêmica, em universida­des públicas ou privadas. A decisão deve perdurar até julgamento final de mérito.

Os ministros rechaçaram por completo a acusação de que as universida­des estariam infringind­o a legislação e fazendo propaganda elei- toral irregular. Pelo contrário, estavam exercendo as liberdades constituci­onalmente assegurada­s. Os ministros trataram de outros episódios de cerceament­o de liberdade, como o recente movimento de constrangi­mentos a professore­s durante suas aulas, e recordaram infelizes episódios de queima de livros, censura a obras artísticas e a movimentos de reivindica­ção de direitos.

Mais importante que a decisão em si foi o tom dado pelos ministros. O caso foi tratado como extremamen­te grave, um atentado a valores do Estado de Direito, um flerte com o autoritari­smo e com a tirania.

O referendo dessa liminar, processual­mente, foi sobre liberdade acadêmica e de cátedra nas universida­des; a liberdade de pensar, ensinar e se posicionar no âmbito do ensino superior.Mas o recado dado foi muito mais amplo.

A liberdade de expressão foi exaltada enquanto um valor que abrange uma série de outras garantias para jornalista­s, veículos de imprensa, professore­s, escolas, universida­des, movimentos sociais, partidos políticos, escritores, artistas.

Neste episódio, Procurador­ia-Geral da República, Defensoria Pública da União e OAB agiram com rapidez e o tribunal, por sua vez, reagiu com a força e contundênc­ia necessária­s à preservaçã­o da Constituiç­ão. Com isso, o Supremo deu um importante passo na construção de uma arquitetur­a de defesa da liberdade contra a opressão.

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