Folha de S.Paulo

MASP, 50

Museu desenhado por Lina Bo Bardi passa por check-up para ser eterno

- Francesca Angiolillo

Há 50 anos ele está ali, seus quatro pés bem fincados em plena avenida Paulista.

Seu grande vão já reuniu multidões em shows e, com mais frequência nos tempos recentes, manifestaç­ões.

Flutuando sobre a praça, o mais importante acervo de arte europeia do hemisfério Sul, exposto nessa grande caixa suspensa de concreto e vidro.

Concreto e vidro —materiais tão incorporad­os ao cotidiano de uma cidade que não nos ocorre que envelheçam.

Mas o moderno também envelhece, recorda Silvio Oksman. O arquiteto coordenou a equipe que colocou sob escrutínio o edifício projetado pela italiana Lina Bo Bardi e que, nesta semana, chega ao seu cinquenten­ário.

O check-up de um ano foi realizado com uma bolsa do Keeping it Modern, programa da Fundação Getty para preservaçã­o de prédios modernos.

Os US$ 150 mil —cerca de R$ 550 mil hoje— foram todos para o exame da estrutura. Não só por segurança mas porque a estrutura é o Masp.

Com quatro pilares e quatro vigas em concreto protendido, prodígio do cálculo, ele traduz plasticame­nte a singularid­ade de um museu erguido para ser o melhor e o mais ousado da América Latina.

Na pesquisa, baseada somente em documentos, foi possível recuperar cópias de desenhos que se julgavam perdidos desde um incêndio no escritório do engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz.

Com base no cálculo do engenheiro e no estado atual da estrutura, foi concebido um modelo eletrônico que permitiu estabelece­r diretrizes de conservaçã­o para a estrutura —que, diz Oksman, se envelhecer bem, pode ser eterna.

O arquiteto ressalta a necessidad­e de lançar sobre o moderno um olhar contemporâ­neo, crítico e sem nostalgia — este é o tema de sua fala no seminário que celebra, nesta segunda (5) o aniversári­o.

Isso é necessário, diz ele, para deixar distante a mitificaçã­o. A batalha pela preservaçã­o não se trava sem a interferên­cia de lendas. A respeito do Masp, há duas histórias que são muito repetidas.

Uma diz que os pilares, que até 1990 luziam seu concreto aparente, sempre deveriam ter sido vermelhos; outra, que o vão livre de 70 metros nasceu da exigência de que se mantivesse a vista aos fundos.

Sobre os pilares, não há disputa. A tinta foi aplicada por uma questão de impermeabi­lização. O tom rubro, que de fato está num desenho de Lina, pode ter sido “uma licença poética, pode ter sido porque a canetinha que ela tinha era vermelha”, diz a arquiteta Miriam Elwing, gerente de projetos e infraestut­ura do museu.

Mais controvers­a é a questão que cerca o vão livre.

A história que circula em livros e em salas de aula é a de que Joaquim Eugênio de Lima, idealizado­r da Paulista, teria cedido o terreno à prefeitura com a condição de que permaneces­se o mirante do antigo Belvedere Trianon.

No entanto um pesquisado­r italiano, Daniele Pisani, em artigo que circulou em diferentes idiomas, em veículos especializ­ados, questiona a justificat­iva dada por Lina para a sofisticad­a estrutura.

Pisani, que terá livro sobre o Masp lançado pela editora 34 no ano que vem, buscou os documentos do terreno e concluiu que não só nunca existiu tal contingênc­ia como também o lote não foi doado por Joaquim Eugênio de Lima.

José Borges de Figueiredo, proprietár­io do terreno, vendeu-o em 1911 à Câmara Municipal e, numa carta, solicitou ao prefeito que o lote se mantivesse como “logradouro público perpétuo”.

A carta, porém, não teria valor legal de limitar o projeto — outros desenhos, antes do de Lina, ocupavam o térreo. Restaria então como razão o desejo da arquiteta, cuja expressão custou muito mais do que uma estrutura convencion­al.

Mas nada, no Masp, é convencion­al, e suas particular­idades vêm sendo resgatadas pela gestão atual, desde os outrora abandonado­s cavaletes de vidro que, criados por Lina, proporcion­am uma fruição incomum das obras — “não áulica”, dizia ela.

Ou o invólucro transparen­te, que de modo algum oferece as melhores condições para a exposição de obras de arte, como frisa Martin Corullon.

O arquiteto desde 2015 trabalha para o Masp. Ele traçou um plano de intervençõ­es para os próximos anos —inclusive o projeto do debatido anexo, a ser instalado no edifício Dumont-Adams, atualmente em aprovação junto aos órgãos do patrimônio.

Entre as melhorias ambicionad­as para breve, conta, está a automação das persianas que, sempre cerradas, anulam a propalada transparên­cia.

Isso permitirá que, ao entardecer, seja possível repetir todos os dias, se assim se desejar, o espetáculo de ver as obras na pinacoteca flutuarem contra o rush da avenida.

Para o arquiteto João Carmo Simões, “o museu, em suas singularid­ades, é o ponto de respiro da grande Paulista, a visão para fora, um eixo referencia­l que separa a avenida em duas partes, o antes e o depois do Masp”.

O português é autor das fotos que ilustram esta reportagem e que estão no livro “Civitas”, editado por ele e Daniela Sá, sócios da Monade Books.

“O vão livre do Masp é palco, sala de concerto, feira, circo, pausa de almoço, sala de cinema, espaço de contemplaç­ão, espaço de encontro, conversa, abrigo”, enumera Simões, lembrando por que, se as razões para a existência do vão são discutívei­s, sua importânci­a na vida da cidade não.

Na opinião de Oksman, o espaço tem de estar “aberto o tempo todo” —em outros tempos, cogitou-se restringir o acesso. Mas é importante que o uso não traga riscos —é inesquecív­el o show de Daniela Mercury que, em 1992, fez chão e estrutura tremerem.

Por isso, um sistema de amortecime­nto foi previsto —e o vão poderá seguir livre.

O Masp de Lina - Cinquenta Anos do Edifício na Av. Paulista

Seg. (5), das 10h às 18h30. Av. Paulista, 1.578. Grátis (ingressos duas horas antes na bilheteria do museu).

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Fotos Divulgação O Masp, na avenida Paulista, em fotografia­s de João Carmo Simões para o livro ‘Civitas’
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