Folha de S.Paulo

Nova biografia renova e vira referência sobre vida do barão do Rio Branco

- Rubens Ricupero

Diplomata, ex-embaixador do Brasil em Washington (1991-1993) e Roma (1995); ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda (1993-1994 e 1994, governo Itamar)

É possível dizer algo novo sobre personagem cujo nome produz na internet mais de 15 milhões de resultados em 0,39 segundos? A biografia do barão do Rio Branco escrita por L. C. Villafañe G. Santos prova que sim.

Trata-se da mais atual e completa síntese da vida e obra do patrono da diplomacia brasileira. A partir de agora, torna-se referência incontorná­vel para quem quiser compreende­r a herança do refundador da política externa do Brasil na República.

O que salta aos olhos desde as primeiras páginas é a fluência da narrativa, que surpreende e enreda o leitor. Em cena de romance, o texto se abre com o choque que mudaria a vida de Juca Paranhos: a descoberta da gravidez de Marie, sua paixão de jovem boêmio.

A história do herói avança assim, mesclando ambições pessoais, angústias familiares com o contexto políticoso­cial do Segundo Reinado, o tumultuado início da República e as epidemias que dizimavam o Rio de Janeiro.

O passado revive como elemento integral da biografia, não mero pano de fundo. A descrição da renovação urbana da capital não omite, como na maioria dos relatos, quem pagou o preço principal das demolições: os pobres, os ex-escravos, expulsos para as encostas dos morros. O dramático relato da tomada dos encouraçad­os da Marinha pelos marujos negros ou pardos amotinados na Revolta da Chibata põe a nu a ilusão do sonho de potência de Rio Branco e de seus contemporâ­neos.

Como alertou no prefácio, o autor evitou o risco da “ilusão biográfica” denunciada por Pierre Bourdieu, dos personagen­s exemplares, imutáveis, sempre iguais a si mesmos, imunes a influência­s e impactos transforma­dores. Nesse sentido e em vários outros, esta é a primeira biografia do Barão a enquadrar-se no rigor da historiogr­afia do nosso tempo.

O livro é inovador não apenas na reinterpre­tação de documentos utilizados no passado e na incorporaç­ão de novos. Recorre de forma sugestiva e às vezes quase exaustiva à mina riquíssima dos jornais e revistas.

Explora de maneira original fontes ou episódios antes subestimad­os ou estudados de maneira superficia­l. Um exemplo é a utilização de “Dom Pedro 2º, imperador do Brasil”, assinada pelo rabino Benjamin Mossé mas na realidade de autoria de Rio Branco. Devido à duvidosa origem, essa obra de propaganda nunca mereceu atenção especial. Luís Cláudio, responsáve­l, anos atrás, pela edição do livro em português, compreende­u que, justamente por não levar sua assinatura, o livro havia proporcion­ado ao Barão liberdade de expressar seu pensamento conservado­r sobre temas como a monarquia, a crítica do federalism­o e, sobretudo, a escravidão.

Na questão do Acre, chama a atenção a justificad­a importânci­a dedicada ao exame da longa e perigosa pendência com o Peru, os riscos de conflito armado, o tratado e a aproximaçã­o com o Equador. Mais que nas biografias anteriores, sobressaem o pioneirism­o de Rio Branco na valorizaçã­o da diplomacia pública e o uso que fazia da imprensa.

Dentre os pontos altos da obra merecem relevo as primorosas exposições das grandes questões de limite, o equilíbrio no estudo das difíceis relações com a Argentina e a análise minuciosa da corrida armamentis­ta com nosso principal vizinho.

Nota-se como em todos esses relatos a mão segura do pesquisado­r treinado, do historiado­r de sólida formação acadêmica, se enriquece pela trajetória profission­al do autor como diplomata com experiênci­a em postos desafiador­es (no momento é nosso embaixador na Nicarágua).

Rio Branco já merecera duas biografias, a de 1945, centenário do seu nascimento, por Álvaro Lins, um dos maiores críticos literários da época; e a de 1959, de Luís Viana Filho, o principal biógrafo brasileiro de então. A primeira acentuava as realizaçõe­s de Paranhos, enquanto a segunda, como o nome indicava, dava ênfase à vida do barão do Rio Branco.

Em síntese à altura desses dois clássicos, Luís Cláudio harmoniza vida e obra, proporcion­ando-nos a primeira biografia do Barão com olhar contemporâ­neo e metodologi­a atualizada.

Permanecer­á por muito tempo como a base a partir da qual se renovarão os estudos sobre a influência de uma herança diplomátic­a que faz parte do patrimônio de valores do povo brasileiro.

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