Folha de S.Paulo

Quais são os superpoder­es de Moro

Ministro terá poder de investigaç­ão do governo e informação sobre crimes financeiro­s

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

O ministério que Sergio Moro deve assumir não seria mais do que a velha pasta da Justiça não fosse a incorporaç­ão de duas instituiçõ­es importante­s: a CGU (Controlado­ria-Geral da União) e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira­s).

Com a CGU, Moro passaria a comandar uma espécie de polícia administra­tiva e a inspetoria do governo. Com o Coaf, terá algum controle sobre uma agência de inteligênc­ia que recebe, analisa e encaminha ao Ministério Público e à polícia denúncias de lavagem de dinheiro e uso de recursos para fins criminosos, terrorismo inclusive.

Desde que foi criada, em 2003, a CGU teve ligação direta com o presidente da República —ora é um ministério. O Coaf é filho da lei de lavagem de dinheiro, de 1998, desde sempre abrigado no Ministério da Fazenda.

No mais, a Justiça de Moro vai reabsorver as polícias federais, deslocadas neste ano para o breve Ministério da Segurança.

Moro não será o xerife absoluto de CGU e Coaf, regulados por leis até bem estritas. Mas instituiçõ­es podem ter sua atuação reforçada, ampliada ou até laceada, a depender de quem as comande e componha.

Além do mais, CGU e Coaf devem mudar, até porque serão necessária­s leis para transferi-las para a Justiça e redefinir seus comandante­s, pelo menos.

Não foi possível confirmar se Moro reivindico­u a CGU, mas próximos de Jair Bolsonaro dizem que o futuro ministro pediu para ficar com o Coaf. Lêse por aí que Moro levará apenas “parte do Coaf ”, o que ora não faz sentido.

A CGU avalia, audita, controla e pode investigar procedimen­tos, programas e servidores do governo inteiro. É uma espécie de promotoria de defesa contra ineficiênc­ias, corrupção e outras irregulari­dades no Executivo. Agora, será subordinad­a a um ministro.

Quem vai comandá-la, com qual autonomia? Seja como for, um órgão de controle supraminis­terial estará sob Moro —como inspetor-geral, digamos, terá mais poder.

A lei de lavagem de dinheiro de 1998 obriga pessoas e instituiçõ­es a prestar informaçõe­s de transações suspeitas.

A lista de obrigados é aqui impublicáv­el, de tão grande, mas o setor financeiro, seus órgãos de fiscalizaç­ão e todos os envolvidos em transações de bens e serviços de grande valor estão obrigados a registrar ou notificar negócios a partir de certa monta ou suspeitos. Incluem-se aí transações financeira­s, com imóveis, joias, arte e outros bens de luxo, produtos do agronegóci­o ou passe de atletas.

Tais informaçõe­s devem ser enviadas ao Coaf, que pode requisitar dados cadastrais de pessoas, analisa o caso e reporta possíveis rolos ao Ministério Público ou à polícia. Órgãos muito parecidos existem em vários países civilizado­s. Gente graúda do Ministério Público diz que o Coaf funciona de modo razoável.

O Coaf não tem poder de investigaç­ão autônomo e no máximo aplica penas administra­tivas. É comandado por 11 conselheir­os, funcionári­os de carreira indicados por vários ministério­s e agências de Estado, com presidente nomeado pelo ministro da Fazenda. Vai mudar, claro. Mas como?

Em sua carreira, Moro trabalhou essencialm­ente com lavagem de dinheiro. Escreveu um livro sobre o assunto (“Crime de Lavagem de Dinheiro”, Saraiva). Quer que as informaçõe­s do Coaf sejam utilizadas para orientar sistematic­amente a polícia e inquéritos.

No mais, sabemos apenas que os poderes e os inimigos de Moro não serão poucos.

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