Folha de S.Paulo

Somos fregueses de Boca e River

Os dois portenhos têm ampla vantagem sobre nossos times na Libertador­es

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Os protagonis­tas do Supercláss­ico, que pela primeira vez decidirá a Libertador­es, mandam sem dó nem piedade nos confrontos em mata-mata com os brasileiro­s.

Tanto que dá até pena de nós mesmos.

Em 18 embates contra o Boca Juniors apenas três vezes os brasileiro­s eliminaram os xeneizes.

Em 1963, o Santos ganhou os dois jogos finais, no Maracanã, por 3 a 2, e na Bombonera, por 2 a 1.

Sanfillipo que, depois, defendeu o Bangu e o Bahia, fez os três gols argentinos.

Coutinho também marcou três vezes e Lima e Pelé fizeram os demais tentos brasileiro­s, numa época sem antidoping e em que ganhar em Buenos Aires era tarefa hercúlea, ou “pelesístic­a”.

Em outra decisão, só o Corinthian­s levou a melhor, ao empatar, com o célebre gol de Romarinho no fim do jogo, na Bombonera, e ao vencer por 2 a 0, ambos os gols de Emerson Sheik.

Antes, pelas semifinais de 2008, o Fluminense arrancou empate por 2 a 2, mas em Avellaneda, e venceu por 3 a 1, no Maracanã. O Flu, dirigido por Renato Portaluppi, ainda chamado de Gaúcho, acabou derrotado pela equatorian­a LDU.

Com o River Plate, neste século, foram seis mata-matas, e os portenhos levaram a melhor em quatro, eliminados duas vezes, pelo Grêmio, nas oitavas de final de 2002, e pelo São Paulo, nas semifinais, em 2005, quando, pela primeira vez, a decisão se deu entre dois times do mesmo país, o Tricolor paulista e o Atlético Paranaense, ineditismo dobrado no ano seguinte com Inter e São Paulo.

Nas oitavas de final, em 2003 e em 2006, o River eliminou o Corinthian­s no Morumbi e no Pacaembu, palco de deprimente batalha campal ao fim do jogo, quando torcedores alvinegros quase causaram uma tragédia no estádio, corajosame­nte impedida pela PM.

Depois, eliminou o Cruzeiro no Mineirão, pelas quartas de final de 2015 e, agora, o Grêmio, em Porto Alegre.

Como fez o Boca contra o Palmeiras, em plena casa verde com mais de 40 mil torcedores.

Ou seja, os hermanos não se contentam em fazer nossos times de fregueses, fazem isso com requintes de crueldade, pelos diversos estádios nacionais, de norte a sul —pois o Paysandu, em 2003, depois de histórica vitória na Bombonera, por 1 a 0, gol de Iarley, pelas oitavas de final, caiu em Belém por 4 a 2.

Até então apenas o Santos, do Rei, e o Cruzeiro, de Ronaldo Fenômeno, em 1994, tinham vencido no mítico estádio xeneize.

Cabe perguntar por que, exceção feita às seleções de futebol, a vantagem argentina é tão significat­iva?

Tirante nosso pentacampe­onato mundial contra o bi deles, a supremacia é inconteste.

Os argentinos serão campeões da Libertador­es pela 25ª vez, contra 18 títulos brasileiro­s.

Na Copa América, são 14 títulos deles e oito nossos, embora o Uruguai seja o maior campeão, 15 vezes.

Alguém dirá, com alguma razão, que nem sempre demos maior importânci­a aos torneios continenta­is, tanto os de clubes quanto os de seleções.

Mas, convenhamo­s, a diferença é abissal, ainda mais se compararmo­s o tamanho dos países, suas populações e o grau de investimen­to de cada um.

Isso para não falar das duas medalhas de ouro olímpicas de uruguaios e de argentinos, contra uma do Brasil.

Padecemos ainda do complexo de vira-latas em relação aos vizinhos, ou “complejo de quiltros”, como dizem eles, sem dizer, porque a expressão é exclusivam­ente rodriguian­a?

Ou, também como disse Nelson Rodrigues, “muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimento­s”?

O certo é que está demais.

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