Folha de S.Paulo

Baronesa de Arary Chama o síndico

Chef celebridad­e, Henrique Fogaça disputa o comando de um dos prédios mais antigos e simbólicos da av. Paulista —e a briga vira caso de polícia

- Bruno B. Soraggi

Um grupo de moradores do conjunto residencia­l Baronesa de Arary, um dos maiores, mais antigos e simbólicos da av. Paulista, voltou para os seus apartament­os na noite da última quinta-feira de outubro comemorand­o o que chamaram de “um dia histórico” ou “a Revolução do Arary”.

Eles celebravam a eleição do chef Henrique Fogaça para síndico e a mudança na gestão do condomínio após 18 anos de administra­ções que acusam de gerir mal os recursos, prestar contas de formas escusas e manobrar para manter o mesmo grupo no poder.

“Vamo, caralho!”, gritou Fogaça ao ser escolhido por unanimidad­e pelos cerca de 80 moradores do edifício que se reuniram na praça Alexandre de Gusmão, ao lado do parque Trianon, sob uma chuva fina e fria. “A gente tem uma administra­ção já velha. É importante renovar”, emendou o chef, que vive no Baronesa de Arary há três anos.

O encontro na praça foi realizado após a atual administra­dora do prédio, a empresa Adtec Prime, suspender a assembleia convocada para aquela noite quando moradores já estavam no local marcado — um hotel na alameda Jaú. Com 559 apartament­os e cerca de 3.000 habitantes, o condomínio faz suas reuniões de moradores em locais alugados. Na pauta daquele encontro estava a eleição do síndico.

O cancelamen­to gerou bateboca, e a polícia foi chamada para mediar a situação.

O grupo descontent­e argumentou que tinha uma liminar da Justiça exigindo que a assembleia ocorresse seguindo a convenção do condomínio. “Aqui não é democracia”, disse durante a confusão Otavio Lotfi, síndico pela Adtec, afirmando ter respaldo para suspender o pleito.

O hotel alegou que o salão foi requisitad­o pela Adtec, e como a empresa cancelou o encontro, a assembleia não poderia mais ser realizada ali. Foi então que os dissidente­s se dirigiram para a praça, próxima ao hotel. A atual administra­ção, que também concorria à eleição, não foi junto. “Se num condomínio acontece isso, imagina o que rola na luta pelo poder em Brasília”, disse o advogado Marcio Rachkorsky, comentaris­ta de questões condominia­is no “SPTV”, na Globo. Ele não mora no Baronesa de Arary, mas foi convidado para ajudar o grupo de Fogaça e acompanhou o imbróglio naquela quinta (25). “Nunca vi isso na minha vida.” Como síndico virtualmen­te eleito, Fogaça foi liberado de pagar o condomínio —que pode chegar a R$ 2.100. Mas abdicou do salário pela função, de cerca de R$ 10 mil. “Não preciso disso. O meu intuito é arrumar o prédio”, disse o chef, aplaudido pelos presentes.

Acompanhan­do a deliberaçã­o na praça também estava uma escrevente de cartório, contratada pelo grupo para registrar o encontro em ata a ser usada nos tribunais caso o outro lado contestass­e o evento.

Foi o que aconteceu. A Adtec recorreu e a Justiça não reconheceu a reunião da praça. A empresa diz que só mudará seus membros após nova assembleia a ser marcada. A oposição tenta reverter a decisão para que Fogaça assuma o cargo, com mandato de um ano.

“A ‘assembleia’, que na verdade não passou de uma simples reunião de alguns condôminos, foi totalmente ilegal e irregular pois não cumpriu as exigências da convenção condominia­l”, afirmou a empresa à coluna. Segundo eles, o evento foi cancelado pela “impossibil­idade do cumpriment­o” da liminar, que estipulava multa de R$ 20 mil para o descumprim­ento das determinaç­ões.

“A administra­ção amanheceu mais uma vez envergonha­da com os lamentávei­s fatos ocorridos”, disse a empresa. “A coordenado­ra de eventos do hotel disse claramente: ‘Nunca mais quero vê-los aqui’. Nosso Baronesa de Arary, já tão judiado no passado pelo abandono e más gestões, não merece sofrer nova vergonha.”

Na segunda (29), Fogaça foi à polícia protocolar um boletim de ocorrência afirmando que, depois da assembleia que o elegeu, a administra­ção atual retirou “diversos documentos do escritório” e transferiu R$ 176 mil da conta do condomínio para a conta da Adtec Prime.

Lotfi afirma que “o sr. Henrique Fogaça vem se manifestan­do com declaraçõe­s que repudiamos”. “O síndico, juntamente com o conselho consultivo, decidiu não responder às acusações do mesmo, o que será feito pelas vias legais.”

“O conjunto residencia­l Baronesa de Arary é parte da vida cultural e social da capital paulista”, escreveu o jornalista José Venâncio de Resende no livro “Baronesa de Arary - Nobres, Pobres, Artistas, Oportunist­as”, lançado em 2003. Segundo o autor, o edifício “surgiu em 1957, momento em que a avenida Paulista começava a se tornar símbolo do capitalism­o brasileiro e expressão da mais alta modernidad­e quanto a aspectos arquitetôn­icos, financeiro, cultural, artístico, gastronômi­co e político”.

Projetado pelo arquiteto Simeon Fichel, o condomínio tem quatro alas de 25 andares. Duas, batizadas Capri e Rajá, abrigam 436 quitinetes. Ainda há o Acapulco, com apartament­os de dois dormitório­s, e o Côte D’Azur, com imóveis de três quartos. Em seu auge, na década de 1960, teve moradores como os atores Cacilda Becker e Walmor Chagas, que encenavam peças em seu apartament­o na cobertura. Elke Maravilha também morou lá. “O Arary é um retrato dos altos e baixos do país”, escreveu Resend ena obra, citando“dé cadas de postergaçã­o de medida surgentes, presença de administra­ções incompeten­tes e muitas vezes corruptas, subordinaç­ão do bem estar da maioria a interesses de grupos e rolagem de dívidas na maior parte das vezes em condições desfavoráv­eis”. O livro conta a história do prédio até a interdição do imóvel pela prefeitura.

Episódios marcados por confusão não são novidade na história do Baronesa de Arary. Assembleia­s anteriores já terminaram com agressões e queixas na delegacia, e síndicos foram destituído­s por decisões judiciais ao serem acusados de praticar irregulari­dades.

É o caso de Meiri Luci Adriano, eleita em 2001. Entre afastament­os e retornos, ela exerceu diversos mandatos, elegeu a filha e hoje integra o conselho do condomínio. Moradores dizem que ela influencia nas gestões dos últimos 18 anos.

A administra­ção foi terceiriza­da e hoje está sob a responsabi­lidade da Adtec. Uma das críticas de opositores é que as últimas gestões usam procuraçõe­s de moradores para levar pessoas não ligadas ao prédio para votar a favor da continuida­de do mesmo grupo no comando. Sobre isso, a Adtec diz que “o progresso e a conquista” que o condomínio “alcançou sob nossa administra­ção talvez justifique a grande quantidade de procuraçõe­s que recebemos dos condôminos espontanea­mente, que nos elegem em todos os pleitos”.

“A Meiri e a gestão dela têm mérito por ter restaurado o Baronesa, recuperado o condomínio pós-interdição. Ninguém questiona isso. O problema é ficar perpetuame­nte no poder”, diz um morador que prefere não ser identifica­do.

O marido de Meiri, Sergio Tulio Rocha, é advogado do prédio. Foi ele quem assinou uma notificaçã­o extrajudic­ial encaminhad­a a Fogaça em agosto.

O chef foi multado em R$ 500 pelo condomínio por “difamar o nome” do edifício ao se referir a ele como “treme-treme” em notícias na internet. Fogaça nega ter feito isso e afirma que o termo foi empregado pelos autores das reportagen­s citadas pela acusação.

“Treme-treme” foi o apelido pelo qual o Baronesa de Arary ficou conhecido graças a um período marcado pelas más condições de infraestru­tura e conservaçã­o, que culminou na interdição do edifício pela prefeitura, em 1993.

Na época, o poder municipal removeu os moradores do prédio e lacrou seus apartament­os alegando falta de segurança, principalm­ente devido ao precário sistema elétrico que poderia causar um incêndio e um “blecaute na Paulista”, como diziam notícias da época.

“O Baronesa de Arary é uma espécie de cortiço vertical localizado no ponto mais valorizado de São Paulo”, definiu reportagem da Folha publicada em 19 de agosto daquele ano.

“Não existem extintores de incêndio nos corredores. Tapumes improvisad­os substituem as portas dos elevadores”, dizia o texto, que apontava que a eletricida­de do prédio tinha sido cortada pela Eletropaul­o em 1990. “Os moradores, então, começaram a puxar ‘gambiarras’ pelos corredores.” Também há relatos de tráfico de drogas nas dependênci­as do condomínio. Obras foram realizadas e o edifício foi sendo liberado até ser totalmente desinterdi­tado, em 1998. “O Baronesa de Arary hoje é um prédio próspero, alinhado com as boas normas de convívio e ordem. Reconquist­ou sua valorizaçã­o moral e patrimonia­l”, diz a gestão atual.

Na praça, antes da votação naquela quinta-feira chuvosa, uma moradora questionou se Fogaça se organizou para dedicar tempo ao prédio. “Nós estaremos bem assessorad­os, com uma equipe que vai fazer a administra­ção, subsíndico. Vamos estar juntos!”, respondeu. “Dessa forma, o Fogaça vai ser o maestro. Quando tudo estiver em ordem, ele vai ser a rainha da Inglaterra”, brincou Rachkorsky. “O rei da Inglaterra!”, respondeu o chef.

“A baronesa de Arary!”, gritou alguém do grupo. “A baronesa de Arary!”, repetiu Fogaça em voz alta. “Vou virar baronesa agora. Puta que pariu!”, brincou. Encerrada a reunião, ele se juntou com conhecidos para discutir os próximos passos. “É uma briga. E briga sempre começa com empurrão.”

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Gabriel Cabral/Folhapress O conjunto residencia­l Baronesa de Arary (prédio branco em destaque) na av. Paulista
 ?? Greg Salibian/Folhapress ?? O chef e jurado do “Masterchef” Henrique Fogaça
Greg Salibian/Folhapress O chef e jurado do “Masterchef” Henrique Fogaça

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