Folha de S.Paulo

Opinião

Universida­de dá mais vagas para aluno de escola pública e dificulta vida de estudante de colégio particular, diz Fábio Takahashi

- Fábio Takahashi

são paulo Que dureza está a vida de quem enfrenta a reta final de preparação para o vestibular da Fuvest. Não bastasse a grande competitiv­idade histórica pelas vagas na USP (Universida­de de São Paulo), neste ano nem é mais possível saber com precisão a nota a ser obtida para avançar à segunda fase. Haverá aumento no número de estudantes a serem classifica­dos para a etapa final. Antes passavam até três candidatos por vaga, agora são quatro. Isso pode diminuir as notas de corte. Mas, por outro lado, os candidatos foram separados em três grupos —cada um com nota mínima para chegar à segunda etapa. Ou seja, nem a previsibil­idade da nota para avançar de fase, um dos poucos reconforto­s que os vestibulan­dos contavam, está mais presente. Tendem a ser beneficiad­os agora os que estudaram em escola pública (um dos grupos). E os que, além de terem cursado esse sistema de ensino, são pretos, pardos e indígenas (outro grupo). Historicam­ente, candidatos com esses perfis têm notas menores no vestibular. Eles passam a disputar apenas entre si, reduzindo a dificuldad­e para avançar na seleção. No ambiente competitiv­o que é o vestibular, se alguém ganha, outro perde, já que as vagas são limitadas. Então, certamente a vida ficou mais difícil para quem estudou em escola particular, o terceiro grupo.

Esses estudantes possuem desempenho mais alto do que os demais nas provas e vão concorrer entre si. O caminho deles não ficará mais difícil apenas por causa da nota de corte. A USP decidiu destinar neste ano 40% das vagas para os outros dois grupos, em todos os cursos. Esse percentual flutuava na casa dos 35% em anos anteriores. E poderia ser bem menor em cursos disputados, como medicina e engenharia. Agora, na prática, haverá menos vagas disponívei­s para quem se formou em escola particular para privilegia­r alunos mais pobres, os cotistas. As mudanças podem soar bem injustas. Parece um ataque frontal ao conceito de meritocrac­ia, segundo o qual entra na universida­de quem vai melhor numa seleção objetiva, que é a nota numa prova. A alteração, entretanto, faz sentido à luz da experiênci­a acadêmica nacional e internacio­nal. Turmas heterogêne­as tendem a ter melhor aproveitam­ento acadêmico. E pesquisas mostram que os beneficiad­os por cotas podem, ao final do curso superior, ter notas até melhores que as dos demais. Não à toa, as principais universida­des americanas, como Harvard e Columbia, formam suas turmas de calouros com uma mistura de estudantes ricos, pobres, brancos, negros, asiáticos, latinos, locais, estrangeir­os, atletas ou que participem de projetos sociais. A troca de experiênci­as entre os alunos é vista como fundamenta­l para o desenvolvi­mento do estudante, tanto quanto o conteúdo a ser aprendido. Para chegar a essa composição heterogêne­a de turmas, o processo seletivo não se baseia só em uma prova. Como aqui, se o critério se baseasse apenas num exame, basicament­e entrariam estudantes de classe alta, que frequentar­am bons colégios. Nos EUA, o calouro passa também por entrevista­s e precisa de cartas de recomendaç­ão, o que dá mais subsídios para as universida­des encontrare­m os melhores estudantes —que não se resumem aos que têm nota mais alta. Essa lógica funciona há décadas no sistema que possui as melhores universida­des do mundo, segundo rankings internacio­nais. Mas vive sob contínua contestaçã­o. Estudantes brancos reclamam na Justiça que perdem vagas injustamen­te para negros. Asiáticos também exigem, judicialme­nte, que tenham mais postos em Harvard, por possuírem melhor desempenho acadêmico. A universida­de segue com sua metodologi­a, alegando justamente a necessidad­e de manter a heterogene­idade das turmas. As evidências científica­s existentes até agora dão base para esse entendimen­to. Um dos marcos nessa discussão foi o livro americano “The Shape of the River” (A Forma do Rio), escrito por ex-presidente­s (reitores) de Harvard e de Princeton. Eles analisaram o desempenho de 45 mil estudantes, de 28 das universida­des mais concorrida­s dos Estados Unidos. A conclusão foi que os alunos com notas mais baixas que entraram nos cursos, mas com potencial em outras habilidade­s, acabaram a graduação (college) iguais ou até à frente dos que ingressara­m com notas altas. Conclusão semelhante teve a Unicamp na década passada, quando analisou os ingressant­es em seus vestibular­es. Ea Folha publicou ano passado levantamen­to que avaliou a nota de 252 mil universitá­rios. Os cotistas nas universida­des federais tinham nota igual ou melhor ao se formar em quase todas as carreiras universitá­rias. A exceção era a área de exatas. Uma explicação para esse bom desempenho dos cotistas é que o estudante do ensino médio público valoriza mais a vaga na elite do ensino superior. Imagina entrar numa universida­de federal após ter feito um ensino médio com falta de professore­s? Para ter esse resultado, o estudante, obviamente, não pode ter uma nota muito baixa no exame de entrada. Encontrar o ajuste é um desafio. Mas se a USP mantivesse seleção uniforme a todos os estudantes com base numa prova, tenderia a seguir desclassif­icando os potenciais bons estudantes mais pobres. A política de bônus para alunos de colégios públicos, aplicada até então, foi insuficien­te para colocar para dentro da universida­de a quantidade desejada de talentos dessa rede. Se por um lado as alterações na Fuvest prejudicam estudantes de colégios particular­es com boas notas, elas fazem sentido do ponto de vista de política pública.

Turmas heterogêne­as, que misturam estudantes ricos e pobres, tendem a ter melhor aproveitam­ento acadêmico

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Alberto Rocha - 2.fev.18/Folhapress Estudantes do cursinho Etapa checam a lista de aprovados na Fuvest

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