Folha de S.Paulo

Quem não teve Blair terá Thatcher

- Vinicius Mota vinicius.mota@grupofolha.com.br

A democratiz­ação brasileira, observada pelas lentes da economia política, obedeceu a ciclos relativame­nte identificá­veis. Coalizões que favorecera­m soluções caseiras e autonomist­as se alternaram com outras mais conectadas aos consensos técnicos e acadêmicos globais.

As transições entre um movimento e outro, curiosamen­te, sempre ocorreram dentro da mesma gestão. Os desastres de seguidos planos econômicos voluntaris­tas levaram o presidente José Sarney a alterar a linha de ação no final do seu mandato.

Com o breve e traumático interregno da passagem de Zélia Cardoso de Mello, no início da administra­ção Collor, a conexão com o que o conhecimen­to produzia de mais consensual no planeta continuou prevalente até meados da gestão Lula.

Em meio ao frenesi da descoberta de petróleo abundante nas profundeza­s do leito marítimo —e às vultosas intervençõ­es dos países ricos e da China para evitar uma depressão após a debacle financeira de 2008—, a orientação aqui mudou outra vez.

Era tanto entusiasmo que se tentou batizar a coisa com um nome solene, Nova Matriz Econômica. Tratava-se, na verdade, da velha Doutrina Beninca, enunciada pelo inesquecív­el garoto catarinens­e Leandro Beninca ao ver o primo descer a ladeira num carrinho: “Taca-le pau”.

Com o país esborracha­do no muro da recessão, coube à presidente Dilma, na largada do segundo mandato, alterar o pêndulo de novo. Até chegarmos a este ponto, prestes a ser governados pela encarnação tardia do espírito de Margaret Thatcher.

Paulo Guedes, um ministro poderoso e irascível disposto a enfiar instituiçõ­es de mercado goela abaixo de quem estiver no seu caminho, é o que a centro-esquerda se arrisca a obter como resposta quando não aprende as duras lições da realidade.

Por falta de compreensã­o do mundo ao redor, os trabalhist­as britânicos penaram durante 18 anos, até Tony Blair virar a página. A centro-esquerda brasileira ganhou o seu deserto para cruzar enquanto reflete.

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