Folha de S.Paulo

Como viemos até aqui?

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

O que Brexit, Trump, Erdogan, Duterte e Bolsonaro têm em comum? Muito pouco.

Analistas têm subsumido fenômenos inteiramen­te heterogêne­os em uma onda conservado­ra, conceito de escassa tração analítica, a não ser quando aplicado a domínios restritos.

Trump e o Brexit refletem, de fato, um movimento comum de “globalizat­ion losers” (perdedores da globalizaç­ão).

Se na Europa e nos EUA a globalizaç­ão produziu deslocamen­tos sociais —declínio e crise de antigas regiões industriai­s e violento recrudesci­mento da imigração para países ricos—, engendrand­o crise de representa­ção política e populismo, no Brasil e na América Latina, o efeito foi outro.

A globalizaç­ão e a ascensão da China provocaram entre nós um boom de commoditie­s que teve efeito avassalado­r. Some-se a isso a descoberta do pré-sal, que magnificou o efeito “maldição de recursos”.

No plano da representa­ção política, as questões redistribu­tivas não foram eclipsadas pelas identitári­as. Conferir centralida­de à guerra cultural (forte nas das democracia­s avançadas) no caso brasileiro constitui grave equívoco interpreta­tivo.

Não houve revolta de perdedores da globalizaç­ão nem contra elites internacio­nalistas. Pelo contrário: foi sob a égide de um redistribu­tivismo forte que sobreveio um desvario fiscal de amplas consequênc­ias.

A globalizaç­ão era um jogo de soma positiva antes do choque, que veio através de uma rara combinação de hecatombe econômica e exposição pornográfi­ca da corrupção sob a Lava Jato, que explica o colapso do sistema partidário e consequent­e onda conservado­ra.

A Lava Jato não pode ser subestimad­a: segundo o Latino Barômetro (2017), 31% dos Brasileiro­s considerar­am a corrupção a principal preocupaçã­o, ante 6% na Argentina e uma média na região de 10%.

Foi assim a frustração dos “ganhadores da globalizaç­ão”, sua revolta contra a corrupção e a reversão brutal de expectativ­as que balançaram o pêndulo dos eleitores de média renda e baixa identidade programáti­ca. Não foram ameaças a seu status que geraram a reação.

Erdogan, da Turquia, e Duterte, das Filipinas, parecem “reversão à média” —um retorno ao autoritari­smo secular, e mais forte no primeiro, pois se imbrica em conflito sobre a identidade nacional, entre ocidental ou islâmica, que vem desde o Império Otomano.

A onda conservado­ra no Brasil não é exatamente majoritári­a —não reflete um novo “zeitgeist”—, embora expresse o conservado­rismo atávico na sociedade. A ascensão de Bolsonaro foi viabilizad­a pela rejeição do centro ao seu rival.

O centro deterá assim a Espada de Dâmocles: sua defecção poderá implicar o colapso do novo governo.

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