Folha de S.Paulo

De olho no futuro

Decisão sobre ministério­s requer análise profunda

- Fabio Feldmann

Ex-deputado constituin­te, deputado federal por três mandatos (1986-1998) e ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (1995-1998, governo Covas)

Eleger-se presidente da República deve trazer um sentimento único para os poucos que conseguem alcançar essa posição. Porém, fico imaginando que no exercício do mandato o presidente tem que usar ao máximo sua capacidade para articular interesses e visões daqueles que compõem seu ministério e compatibil­izá-los com a construção de seu legado. Lembrando a célebre carta de Getúlio Vargas, o acerto se dá com a história. Nessa perspectiv­a, muita coisa se perde ao longo do tempo e outras passam a ter real significad­o.

Neste momento em que a humanidade se encontra —a Era do Antropocen­o—, o cuidado com as questões ambientais será critério importante de avaliação sobre o legado dos atuais governante­s. Especialme­nte porque as ações a serem tomadas nas próximas décadas são decisivas para mitigar os efeitos mais dramáticos do aqueciment­o global, caso queiramos manter o aumento da temperatur­a de acordo com o estabeleci­do no Acordo de Paris, ressaltand­o-se que parte expressiva da comunidade científica considera o pactuado internacio­nalmente insuficien­te para dar conta do problema.

No entanto, a crise não se restringe à questão climática, envolvendo outros temas relevantes como a perda da biodiversi­dade no planeta. Bem como os desafios da gestão de água doce que, nos últimos anos, tem imposto grandes dificuldad­es aos brasileiro­s com as secas no Nordeste e, mais recentemen­te, no Sudeste (São Paulo).

Nos últimos dias, a Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS) promoveu uma grande conferênci­a sobre os impactos da poluição do ar na saúde, demonstran­do que todos aqueles que vivem em centros poluídos pagam um preço alto em termos de diminuição de expectativ­a de vida.

Até mesmo doenças como o Alzheimer e a diabetes têm sido atribuídas à poluição do ar. No Brasil, por exemplo, o Programa de Controle de Poluição do Ar Por Veículos Automotore­s tem sido considerad­o um dos mais eficazes instrument­os de prevenção de saúde no mundo.

Definir o desenho institucio­nal do governo federal para tratar dessas questões não é tarefa trivial.

É bom lembrar, inclusive, para espantar viés ideológico, que as grandes inovações no campo ambiental nos EUA se deram por iniciativa do ex-presidente republican­o Richard Nixon. Em seu mandato foi aprovado o National Environmen­tal Policy Act (NEPA), que instituiu, pioneirame­nte, o “estudo de impacto ambiental” e que veio a se tornar praticamen­te universal nos anos seguintes. Foi também em seu período a criação da Environmen­tal Protection Agency (EPA), o equivalent­e, de certo modo, ao Ibama.

Margaret Thatcher, por sua vez, uma das grandes referência­s políticas do século passado do campo conservado­r, foi uma das primeiras personalid­ades a reconhecer o desafio do aqueciment­o global, em razão da sua formação acadêmica. Thatcher era química, e compreende­r esse fenômeno exige conhecimen­tos básicos da ciência.

A conclusão é que essas questões não podem ser vistas sob ótica simplista. Exigem compromiss­o efetivo de todos com o futuro, deixando de lado visões e interesses específico­s, sem concessão ao calor da campanha eleitoral. Desse modo, qualquer decisão a respeito do Meio Ambiente e demais ministério­s requer análise que leve em conta a complexida­de das múltiplas ações requeridas para se atender às demandas da sociedade. O futuro legado do presidente eleito depende da capacidade de decidir o que é melhor para os brasileiro­s de hoje e das futuras gerações.

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