Folha de S.Paulo

Governador­es tomarão posse com receita disponível igual à de 2014

Eleitos encontrarã­o estados empobrecid­os e com mais demandas de serviços pela população

- Fernando Canzian

Os governador­es eleitos tomarão posse em janeiro de 2019 como se estivessem voltando quatro anos no tempo. Também assumirão estados mais empobrecid­os.

Eles governarão contando com uma receita disponível praticamen­te igual à que seus antecessor­es tiveram em 2014.

Arcarão também com despesas bem maiores, principalm­ente por conta de servidores aposentado­s e dos gastos em saúde e educação, áreas em que a demanda da população cresceu com o desemprego e a recessão, mas sem que houvesse mais investimen­tos.

Dos 20 governador­es que tentaram se reeleger neste ano, só a metade conseguiu. Em 2006, quando houve o mesmo número de tentativas, 14 venceram, o que pode ser reflexo da crise enfrentada pelos atuais governante­s.

Entre as 27 unidades da federação, 25 registrara­m aumento dos índices de pobreza entre 2014 e 2017, consideran­do uma renda domiciliar per capita de até R$ 85.

O Nordeste foi a região mais afetada, onde estados populosos como Bahia, Pernambuco e Ceará viram a pobreza subir bem mais do que a média nacional, segundo dados da consultori­a Tendências.

Os novos governador­es contarão em seus orçamentos com uma receita média anual de R$ 2.900 por habitante, valor menor do que os atuais tiveram no início de seus mandatos.

Em 2014, a receita equivalia a R$ 2.927 por habitante, em valores corrigidos. Ela chegou a cair para R$ 2.697 em 2016, no auge da recessão, se- gundo dados da IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te), do Senado .

Vários estados também terminarão 2018 descumprin­do o teto para o cresciment­o de suas despesas acertado durante a renegociaç­ão de suas dívidas com a União em 2016, por um período de 20 anos.

Na repactuaçã­o, que envolveu 19 estados, eles se compromete­ram a limitar neste ano o aumento das despesas a um teto de 2,95% (a inflação pelo IPCA do ano passado). Em troca, tiveram redução no fluxo de pagamentos para a União de R$ 44 bilhões.

Em ao menos oito estados (AC, CE, GO, MT, PA, PE, RS e SC) as despesas crescem acima disso. Como punição, podem ser obrigados a ressarcir à União valores pagos a menos que tiveram na negociação e perder descontos futuros.

O número de estados nesta situação pode ser ainda maior, segundo André Horta, coordenado­r do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) e secretário de Tributação do Rio Grande do Norte.

Horta afirma que, na época da renegociaç­ão em 2016, não se imaginava que a recuperaçã­o da economia e da arrecadaçã­o dos estados fosse demorar tanto para reagir. “O que vimos em 2015 e 2016 foi pior do que a crise dos anos 1930 para o Brasil”.

Segundo ele, os estados praticamen­te zeraram os investimen­tos nos últimos quatro anos e, mesmo assim, não conseguira­m se equilibrar.

“Ao contrário da União, que pode emitir títulos, os estados tiveram de fazer um enxugament­o sem precedente­s.”

A boa notícia neste momento é que as receitas estaduais finalmente começaram a reagir junto com a atividade econômica. O Confaz estima cresciment­o em 2018 de até 6,5% acima da inflação —elevando a receita disponível para patamar próximo ao de 2014.

Até a posse dos atuais governador­es, há quatro anos, as receitas subiram sem parar desde 2002 (com exceção de 2009, ano da crise global). Elas aumentaram mais de 50% acima da inflação no período, o que levou a um “boom” de contrataçõ­es e reajustes.

Quando a crise veio, em 2015, a arrecadaçã­o despencou. Mas os funcionári­os já estavam contratado­s e a demanda da população que abandonou escolas e planos de saúde particular­es disparou.

Para piorar, houve aumento no número de servidores que pediram aposentado­ria —e cerca da metade deles poderá deixar o setor público nos próximos dez anos.

Além de terem envelhecid­o, 51% dos funcionári­os nos estados têm direito a aposentado­rias especiais. Policiais militares, por exemplo, se aposentam aos 49 anos, em média.

Isso faz com que a Previdênci­a dos servidores estaduais consuma, em média, cerca de 22% da receita corrente líquida dos estados e que haja mais gastos com inativos do que com os que ainda trabalham.

Além da recessão, que afetou a arrecadaçã­o do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadoria­s e Serviços), os governador­es também sofreram diminuição de repasses do FPE (Fundo de Participaç­ão dos Estados), que obriga a União a destinar 21,5% do IR (Imposto de Renda) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrial­izados) aos estados.

“Como houve forte aumento das renúncias fiscais da União nos últimos anos, e sem evidência de que isso contribuiu para melhorar a atividade econômica, a arrecadaçã­o menor afetou os repasses aos estados”, diz Gabriel Leal Barros, diretor da Instituiçã­o Fiscal Independen­te.

Entre 2010 e 2017, foram instituída­s quase 300 desoneraçõ­es tributária­s na área federal, que somaram R$ 270 bilhões no ano passado.

Barros lembra ainda que a trajetória de forte aumento das receitas dos estados desde 2002 foi atípica, por conta do “boom” dos preços das commoditie­s na década passada.

“Não era um ponto de equilíbrio, mas os estados acabaram torrando muito dinheiro.”

Durante a crise, estados industriai­s ou com maior dependênci­a no petróleo, como SP e Rio, foram mais afetados. Outros, de base agrícola, menos —como os do chamado “Matopiba”, acrônimo com as iniciais de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

“Neste momento, todos estão meio que saindo do buraco, com as receitas aumentando. Mas não há grandes perspectiv­as à frente, justamente em função dos gastos crescentes com as aposentado­rias”, diz Claudio Hamilton dos Santos, pesquisado­r do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Além de uma reforma da Previdênci­a que englobe os servidores estaduais, uma das alternativ­as que os estados consideram é constituir fundos com ativos próprios que serão capitaliza­dos para lastrear títulos a serem vendidos no mercado —cuja remuneraçã­o sairia da gestão e valorizaçã­o dos ativos nos fundos.

E o dinheiro arrecadado pode ser usado na Previdênci­a.

O especialis­ta em contas públicas Raul Velloso trabalha no Rio pela criação de um fundo desse tipo, que pode englobar royalties de petróleo, a dívida ativa do Estado e imóveis.

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Bruno Santos - 30.mai.18/Folhapress Equipe de emergência do hospital estadual Alberto Torres, em São Gonçalo (RJ), recebe vítima baleada durante assalto
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