Os ataques de Donald Trump à mídia estão funcionando
A imprensa ainda não encontrou uma maneira eficaz de lidar com os insultos quase diários do presidente
Ele fez de novo. Às 3h14 de sexta-feira (26), o presidente dos EUA, Donald Trump, estava acordado e tuitando.
“Engraçado como a malvista CNN e outras podem me criticar à vontade, até me culpar pela atual série de bombas e comparando-as ridiculamente ao 11 de Setembro”, escreveu, “mas quando eu as critico elas enlouquecem e gritam: ‘Isso não é presidencial!’”
Ele digitou essa enquanto as autoridades federais investigavam as 12 bombas enviadas ao bilionário George Soros, a políticos democratas, ao ator Robert De Niro e à CNN.
Assim começou o dia 645 de uma Presidência que fez de difamar a mídia uma de suas características identificadoras.
Após insultar repórteres na campanha, Trump continuou perseguindo jornalistas após assumir o cargo criou uma campanha de rótulos negativos —“fake news”, “inimigo do povo”— contra a imprensa.
Pouco antes de as autoridades federais prenderem Cesar Sayoc Jr. —um eleitor republicano, com um histórico criminal— pelo envio das bombas, o presidente voltou ao Twitter. “Os republicanos estão se saindo tão bem no início da votação, e nas pesquisas, e agora essa história da ‘bomba’ acontece e o momento perde impulso”, escreveu.
Ao se referir ao provável terrorismo doméstico como “essa história da ‘bomba’” e ligá-la à eleição desta terça (6), Trump estava fazendo uma sugestão de que a mídia está exagerando a história por motivo político. Mesmo em uma crise nacional, ele mantinha sua estratégia antimídia. A pergunta é: está funcionando?
A resposta rápida é sim. Cada vez mais os ataques quase diários do presidente parecem produzir o efeito desejado, apesar dos muitos exemplos de reportagens de impacto sobre sua gestão. Segundo pesquisa da CBS News, 91% dos “fortes apoiadores de Trump” confiam nele para dar informações precisas; 11% disseram o mesmo sobre a mídia.
Trump foi franco sobre a tática em uma conversa em 2016 com Lesley Stahl, da CBS News, que ela compartilhou no início deste ano: “Faço isso para desacreditar vocês todos e diminuir vocês, assim quando escreverem matérias negativas sobre mim ninguém acreditará”, teria dito ele.
E com o presidente se apoiando em “medos e mentiras” como estratégia eleitoral, como disse o jornal The Washington Post, o sistema de informação política está inundado de afirmativas enganosas ou totalmente erradas, mais do que os repórteres podem acompanhar. É como se Trump tivesse atingido o jornalismo com um ataque de negação de serviço.
De vez em quando os jornalistas recorrem à palavra “mentira”, como fez o jornal The New York Times. Outros alvos frequentes do presidente, a CNN e a MSNBC, desbancaram suas afirmações com manchetes e debates.
Esses esforços de boa-fé, porém, parecem cada vez mais ineficazes. O presidente conseguiu projetar os jornalistas como os principais coadjuvantes em seu interminável reality show, para deleite dos que o aplaudem nos comícios.
Ao se envolver com seus ataques incessantes e afirmações infundadas, os jornalistas estariam caindo numa armadilha? Essa é a opinião de Steven Pinker, professor de ciência cognitiva em Harvard. Mesmo com a cobertura saturada das bombas caseiras, afirmou Pinker no Twitter, “a imprensa mais uma vez cai no jogo”.
Ele concorda, porém, que a mídia não pode ignorar Trump. Mas ao colocar com tal frequência suas palavras sob um microscópio, os jornalistas podem dar a impressão que estão a persegui-lo.
Mas quanto tempo a imprensa vai demorar para encontrar uma maneira eficaz de atacar a litania de falsas alegações que inundam as notícias? Nesse ritmo, a solução pode chegar só no terceiro mandato de Trump.