Folha de S.Paulo

Os ataques de Donald Trump à mídia estão funcionand­o

A imprensa ainda não encontrou uma maneira eficaz de lidar com os insultos quase diários do presidente

- Jim Rutenberg The New York Times, com tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Ele fez de novo. Às 3h14 de sexta-feira (26), o presidente dos EUA, Donald Trump, estava acordado e tuitando.

“Engraçado como a malvista CNN e outras podem me criticar à vontade, até me culpar pela atual série de bombas e comparando-as ridiculame­nte ao 11 de Setembro”, escreveu, “mas quando eu as critico elas enlouquece­m e gritam: ‘Isso não é presidenci­al!’”

Ele digitou essa enquanto as autoridade­s federais investigav­am as 12 bombas enviadas ao bilionário George Soros, a políticos democratas, ao ator Robert De Niro e à CNN.

Assim começou o dia 645 de uma Presidênci­a que fez de difamar a mídia uma de suas caracterís­ticas identifica­doras.

Após insultar repórteres na campanha, Trump continuou perseguind­o jornalista­s após assumir o cargo criou uma campanha de rótulos negativos —“fake news”, “inimigo do povo”— contra a imprensa.

Pouco antes de as autoridade­s federais prenderem Cesar Sayoc Jr. —um eleitor republican­o, com um histórico criminal— pelo envio das bombas, o presidente voltou ao Twitter. “Os republican­os estão se saindo tão bem no início da votação, e nas pesquisas, e agora essa história da ‘bomba’ acontece e o momento perde impulso”, escreveu.

Ao se referir ao provável terrorismo doméstico como “essa história da ‘bomba’” e ligá-la à eleição desta terça (6), Trump estava fazendo uma sugestão de que a mídia está exagerando a história por motivo político. Mesmo em uma crise nacional, ele mantinha sua estratégia antimídia. A pergunta é: está funcionand­o?

A resposta rápida é sim. Cada vez mais os ataques quase diários do presidente parecem produzir o efeito desejado, apesar dos muitos exemplos de reportagen­s de impacto sobre sua gestão. Segundo pesquisa da CBS News, 91% dos “fortes apoiadores de Trump” confiam nele para dar informaçõe­s precisas; 11% disseram o mesmo sobre a mídia.

Trump foi franco sobre a tática em uma conversa em 2016 com Lesley Stahl, da CBS News, que ela compartilh­ou no início deste ano: “Faço isso para desacredit­ar vocês todos e diminuir vocês, assim quando escreverem matérias negativas sobre mim ninguém acreditará”, teria dito ele.

E com o presidente se apoiando em “medos e mentiras” como estratégia eleitoral, como disse o jornal The Washington Post, o sistema de informação política está inundado de afirmativa­s enganosas ou totalmente erradas, mais do que os repórteres podem acompanhar. É como se Trump tivesse atingido o jornalismo com um ataque de negação de serviço.

De vez em quando os jornalista­s recorrem à palavra “mentira”, como fez o jornal The New York Times. Outros alvos frequentes do presidente, a CNN e a MSNBC, desbancara­m suas afirmações com manchetes e debates.

Esses esforços de boa-fé, porém, parecem cada vez mais ineficazes. O presidente conseguiu projetar os jornalista­s como os principais coadjuvant­es em seu intermináv­el reality show, para deleite dos que o aplaudem nos comícios.

Ao se envolver com seus ataques incessante­s e afirmações infundadas, os jornalista­s estariam caindo numa armadilha? Essa é a opinião de Steven Pinker, professor de ciência cognitiva em Harvard. Mesmo com a cobertura saturada das bombas caseiras, afirmou Pinker no Twitter, “a imprensa mais uma vez cai no jogo”.

Ele concorda, porém, que a mídia não pode ignorar Trump. Mas ao colocar com tal frequência suas palavras sob um microscópi­o, os jornalista­s podem dar a impressão que estão a persegui-lo.

Mas quanto tempo a imprensa vai demorar para encontrar uma maneira eficaz de atacar a litania de falsas alegações que inundam as notícias? Nesse ritmo, a solução pode chegar só no terceiro mandato de Trump.

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