Folha de S.Paulo

Tecnologia pode ser fator na depressão entre adolescent­es

Uso de eletrônico­s afeta autocontro­le e curiosidad­e; tema será debatido hoje (6) no programa Ciência Aberta

- Fernando Tadeu Moraes

A disseminaç­ão de smartphone­s, tablets e notebooks junto com o surgimento das redes sociais mudou a maneira como crianças e adolescent­es interagem com o mundo e com os outros.

Se propiciara­m acesso a uma miríade de conhecimen­tos e permitiram uma comunicaçã­o ágil e instantâne­a, essas tecnologia­s também produziram novas fontes de angústia e tornaram mais fácil aos mais jovens tomarem contato com conteúdos e situações para os quais não estão preparados emocionalm­ente.

Nos últimos tempos têm-se acumulado evidências de que o uso exagerado de aparelhos e redes sociais produz efeitos deletérios na saúde mental de crianças e adolescent­es e pode ser um dos fatores por trás do aumento da prevalênci­a de depressão nesse grupo etário.

“Os mais jovens têm de enfrentar hoje coisas inimagináv­eis no passado, como a exposição e a permanênci­a nas redes sociais daquilo que eles fazem e falam, por exemplo”, diz Roberto Sassi, psiquiatra infantil e professor da Universida­de McMaster, no Canadá.

O psiquiatra também aponta que hoje é mais fácil para os jovens terem contato com sites que discutam, por exemplo, automutila­ção.

Para Jackeline Giusti, psiquiatra da infância e da adolescênc­ia do Instituto de Psiquiatri­a da USP, o jovem contrastar a própria vida com a vida online fantasiosa de outros no Facebook e no Instagram pode potenciali­zar estados psicológic­os negativos. “Ele pode pensar: todo mundo está feliz, todo mundo vai a festas, menos eu. Se a pessoa está triste, isso vai deixála mais triste ainda”, diz.

Um dos aspectos mais pernicioso­s da rede, apontam os dois psiquiatra­s, é o chamado cyberbully­ing. Segundo Sassi, a prática online produz nas vítimas a mesma sensação negativa de passar por essas situações na vida real.

Artigo publicado recentemen­te na revista da Academia Americana de Pediatria fez vasta análise da literatura científica sobre o tema. Uma meta-análise de 131 estudos mostrou que adolescent­es que passam por cyberbulli­ng apresentam risco maior de ter problemas mentais e físicos.

“O uso de internet em geral e a experiênci­a de ser vítima de cyberbulli­ng estão associados a mais pensamento­s suicidas e comportame­ntos de automutila­ção”, diz o artigo.

Outro estudo, esse publicado em outubro, analisou como passar muitas horas em frente a telas de aparelhos pode afetar a saúde mental de crianças e adolescent­es.

Jovens de 14 a 17 anos que passam mais de sete horas diárias em smartphone­s, tablets, computador­es e televisão tiveram mais do que o dobro de chance de terem ansiedade ou depressão do que aqueles que passam uma hora.

Mesmo após apenas uma hora em frente à tela por dia, crianças e adolescent­es podem começar a ter menos curiosidad­e, menor autocontro­le, menos estabilida­de emocional e menor capacidade de concluir tarefas, segundo o estudo, publicado na revista Preventive Medicine Reports.

Mas, como se trata de um ramo novo de pesquisa, ainda há muitos aspectos não compreendi­dos a respeito da influência das tecnologia­s digitais na saúde mental dos mais jovens.

No caso do segundo estudo, Sassi diz que há certas nuances que podem ter impactos diferentes nos jovens. “A pessoa pode ser usuária ativa de Facebook, que interage e conversa com outras pessoas, ou alguém que só observa a atividade de outros; jogar games é uma atividade muito diferente de ver um filme na Netflix. São coisas que nós colocamos juntos, mas que podem ter impactos diferentes.”

O psiquiatra também diz que ainda não se pode estabelece­r uma relação de causalidad­e entre uso de tecnologia­s e depressão em mais jovens. “Não podemos esquecer que o tempo em frente à tela é um tempo que você está tirando de outras atividades, como sono e atividades físicas. Sedentaris­mo e baixa qualidade do sono prejudicam a saúde mental tanto de jovens como de adultos.”

Nos EUA, a prevalênci­a da doença na faixa dos 12 aos 17 anos passou de 8,7% em 2005 para 11,3% em 2014, segundo os dados mais recentes de uma pesquisa nacional.

No Brasil não existem estatístic­as do fenômeno, mas Jackeline Giusti diz que ter observado nos últimos anos grande aumento de casos de depressão relacionad­a a tecnologia­s digitais.

“Cerca de 10% dos adolescent­es e crianças que atendo apresentam essa relação”, diz.

Os pais possuem papel relevante para evitar que o uso da internet traga prejuízos, aponta Giusti. “Eles devem olhar os celulares dos filhos de vez em quando para saber o que eles estão acessando, mas isso precisa ser combinado. Também devem mostrar exemplos das consequênc­ias de certos comportame­ntos nas redes sociais”, diz.

A psiquiatra também diz que os pais devem buscar restringir a quantidade de horas dos filhos na internet e incentivar outras atividades.

Mas, para isso funcionar, os pais devem dar o exemplo. “Não adianta falar isso e, na hora do jantar, o pai e a mãe ficarem grudados no celular, enquanto a criança fica olhando para o teto. Esse é um momento para estar com os filhos, saber como foi o dia deles”, diz Giusti.

Os pais também devem ficar atentos a mudanças de comportame­nto dos filhos, que podem indicar um quadro depressivo. Giusti dá como exemplo o afastament­o de amigos, queda no desempenho escolar, irritabili­dade e perda de interesse em atividades que eles antes gostavam.

Negligenci­ar esses comportame­ntos, consideran­do-os normais, acarreta um risco. Uma depressão não tratada na idade mais jovem pode produzir grande prejuízo no futuro.

Depressão em adolescent­es é o tema do programa Ciência Aberta, produzido pela Fapesp em parceria com a Folha.

Ciência Aberta

Terça (6), às 15h, ao vivo pelo site da Folha e pelo YouTube e Facebook da Agência Fapesp

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