Folha de S.Paulo

Prédio popular vira fortaleza em meio a cracolândi­a, em SP

Estado prometeu livre circulação no condomínio, mas moradores querem muro e arame farpado

- Thiago Amâncio Marcelo Justo - 24.abr.18/Folhapress Adriano Vizoni/Folhapress

Um caminho arborizado e com livre circulação de pessoas, além de mercado, creche, escola de música e lojas embaixo dos prédios, no que seria uma espécie de continuaçã­o da praça Júlio Prestes, no centro de São Paulo, em frente à estação de trem de mesmo nome.

Foi o que prometeu o Governo de São Paulo ao construir cinco prédios para habitação popular em plena cracolândi­a, na capital paulista.

Hoje, porém, quem passa pelos novos edifícios dá de cara com uma dupla proteção de muros, um de alvenaria e um de ferro, ambos com arame farpado. Tem ainda portaria, grades, polícia e centenas de usuários de crack.

Uma parceria público-privada que começou na gestão estadual de Geraldo Alckmin (PSDB) construiu 914 apartament­os no local e vai erguer mais três prédios, com 216 apartament­os. Além das moradias, haverá lojas, creche para 200 crianças, mercado e a nova sede da Emesp (Escola de Música de SP - Tom Jobim).

Como a intenção é revitaliza­r a região e tirar de lá os dependente­s de drogas, o projeto original não prevê muros ao redor dos prédios, em consonânci­a com o que dizem manuais de urbanismo.

Os moradores dos novos prédios, temerosos com a vizinhança, já se organizam para evitar a retirada das barreiras, o que, dizem eles, traria risco de invasão e assaltos.

Eles recolhem assinatura­s em um abaixo-assinado e fazem reuniões periódicas para definir como articularã­o a permanênci­a das barreiras.

A proposta da esteticist­a Ludmila Príncipe, 27, que vive no quarto andar de um dos edifícios, é liberar o acesso da população às lojas e equipament­os que estão sendo construído­s no local, mas construir uma outra portaria mais próxima da entrada do seu prédio —e manter o muro.

“Tem dois porteiros, segurança, câmera. E a gente está pagando por isso. A gente não vai aceitar. Nas reuniões esse assunto tem causado um alvoroço”, diz ela, que antes vivia na Freguesia do Ó e, no novo apartament­o, não tem coragem de sair à noite sozinha.

“Tem gramados entre os prédios, e eu tenho certeza que, se tirarem o muro, vai ter morador de rua aqui”, diz.

No primeiro andar do mesmo edifício, vive há três meses Simone Souza, 41. As janelas e a varanda de seu apartament­o têm grades. Antes de morar lá, ela viveu por 12 anos no Grajaú, bairro da zona sul com índices altos de violência. Nunca teve nenhum problema na vizinhança.

“Dois meses depois que eu morava aqui, minha filha de 16 anos foi assaltada às 7h, indo para a escola. Então essas coisas traumatiza­m”, afirma ela, que mora com o marido e mais três filhos.

Pelo receio com as questões de segurança, contemplad­os com o apartament­o já com as chaves em mãos resistem a se mudar para o novo local. Dos 914 já entregues, só 347 estão ocupados —segundo o governo, os proprietár­ios dos outros 567 estão assinando os contratos. A conclusão dos outros dois prédios está prevista para o segundo semestre do ano que vem.

A Secretaria de Estado de Habitação, que toca a parceria público-privada, diz que a equipe social que atende os novos moradores da região “não tem conhecimen­to, até o momento, de nenhuma solicitaçã­o acerca do muro”.

Segundo o governo, “todas as unidades do condomínio contam com controle de portaria para a identifica­ção de moradores”, e os canteiros de obras têm equipes particular­es de segurança e câmeras.

“Paralelame­nte, a Polícia Militar mantém o policiamen- to preventivo na região com equipes da Rocam [policiamen­to com motos], Rádio Patrulhame­nto, Policiamen­to Comunitári­o, além de operações especiais.”

A região, onde no passado ficavam os casarões da elite paulistana, passou a se degradar na segunda metade do século passado, movimento acentuado a partir dos anos 1990, com a instalação da chamada cracolândi­a, perímetro de venda e uso de crack.

O poder público tem atuado em peso com uma série de ações para recuperar a área.

O próximo movimento será tentar levar o fluxo de dependente­s químicos para três quilômetro­s dali, próximo da marginal Tietê, como planeja a gestão Bruno Covas (PSDB).

Para atraí-lo ao novo endereço, a prefeitura construirá uma nova tenda que oferece acolhiment­o, serviços de higiene, alimentaçã­o e pernoite aos dependente­s.

Hoje, há três tendas do tipo a poucos quarteirõe­s da cracolândi­a, e a prefeitura estuda fechar esses lugares —ainda não há prazo para isso.

Uma megaoperaç­ão policial em maio do ano passado desobstrui­u ruas da região, que eram dominadas por traficante­s de drogas. O então prefeito João Doria (PSDB), hoje governador eleito, prometeu na ocasião construir creche, posto de saúde e um CEU (Centro Educaciona­l Unificado).

À reportagem, a gestão de Covas, que foi vice-prefeito de Doria, diz que as obras no local dependem de aceitação dos moradores. Ela afirma que criaram um conselho gestor e debatem as propostas de intervençã­o —e que o processo está no cronograma previsto.

A previsão é que a proposta seja aprovada pelo conselho gestor até o fim deste ano e que as obras sejam iniciadas em 2019 —Doria havia prometido que os equipament­os seriam entregues até dezembro do ano que vem.

No entorno, uma quadra inteira foi demolida para dar lugar à nova sede do hospital Perola Byington, cuja promessa era que já estivesse funcionand­o em 2017. Famílias foram retiradas da região e suas casas, demolidas, mas, conforme a Folha mostrou em junho, as obras foram paralisada­s.

A Secretaria de Estado de Saúde, que toca a construção, não respondeu qual a nova expectativ­a de conclusão. Afirmou que a pasta “aguarda a aprovação dos trâmites pelo conselho gestor” dos antigos moradores da quadra “para dar andamento às obras”.

 ??  ?? Muro de ferro em condomínio de moradias populares, construído ao redor de outro muro, de alvenaria, na região da cracolândi­a, no centro de São Paulo
Muro de ferro em condomínio de moradias populares, construído ao redor de outro muro, de alvenaria, na região da cracolândi­a, no centro de São Paulo
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Maquete do projeto original do condomínio, que previa áreas comuns abertas
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