Folha de S.Paulo

Bolsonaro e o mundo

Sua política externa permanece, como tanto de seu governo, um mistério

- Joel Pinheiro da Fonseca Economista, mestre em filosofia pela USP

É prudente dar uma chance ao novo governo antes de fazer um juízo taxativo sobre ele. Por enquanto podemos apenas especular sobre o futuro governo Bolsonaro, com base nos elementos que o presidente eleito e sua equipe nos dão.

E, quando for necessário, já fazer o alerta dos riscos mais previsívei­s. Sua política externa permanece, como tanto de seu governo, um mistério. Já se delineiam, contudo, três possibilid­ades de linhas a se seguir.

A primeira, que tem sido defendida por Paulo Guedes, representa um claro avanço para o Brasil: integrar nosso país à economia global. Promover o livre comércio com outras nações.

Como os acordos multilater­ais não avançam (por exemplo, o com a União Europeia), a aposta será em acordos bilaterais.

Eles podem realmente dar conta das barreiras tarifárias altas que ainda vigoram entre o Brasil e diversos outros países. As barreiras não tarifárias (exigências de regulament­ações compatívei­s entre os diferentes mercados) provavelme­nte dependerão ainda dos grandes acordos multilater­ais.

Uma segunda possibilid­ade, que não exclui a primeira, é mais dúbia: subserviên­cia à política externa norteameri­cana. Quando Bolsonaro diz que mudará a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, imitando Trump, ele toma uma posição extremada em um conflito delicado que não favorece nenhum dos nossos interesses e que não correspond­e aos valores de paz e mediação pelos quais a diplomacia brasileira sempre primou.

De maneira geral, os EUA são grandes interessad­os na manutenção da ordem global liberal que eles criaram, que também nos beneficia; mas isso não implica sermos um cachorrinh­o de Trump.

Por fim, uma ameaça mais séria e que se desenha no horizonte é que Bolsonaro se alinhe ao novo nacionalis­mo que está em alta no mundo: o projeto de desmantela­r as organizaçõ­es internacio­nais e voltar a um mundo de países mais isolados, mais fechados, menos aptos a cooperar e, por isso, mais dispostos à guerra.

Essa agenda antilibera­l vem tomando corpo no mundo, capitanead­a pelo ex-estrategis­ta de Trump Steve Bannon. Ele já criou um movimento global (chamado “The Movement”) de partidos e governos comprometi­dos com essa agenda.

Há vozes ligadas a Bolsonaro que defendem essa agenda neo-reacionári­a. Em geral, rejeitam a alcunha de “nacionalis­ta” e preferem o termo “soberanist­a”. Essa escolha de nome é enganosa: afinal, o Brasil já é um país soberano. Tem total liberdade de entrar e sair de acordos internacio­nais.

Vivemos na ordem mundial construída pelos EUA com o fim da Segunda Guerra Mundial.

Por meio de acordos e órgãos internacio­nais, o mundo ficou mais pacífico, mais democrátic­o e mais livre. É imperfeito, como tudo neste mundo: a ONU é um órgão burocrátic­o, lento, muitas vezes irrelevant­e.

Mas, em meio ao palavrório dos discursos e documentos, instaura-se o diálogo e a diplomacia como o caminho para a resolução de conflitos. A OMC está longe da utopia laissezfai­re, mas o mundo tem, graças a ela, mais livre comércio do que teria sem.

Cada chefe de Estado tem a obrigação de zelar pelos interesses de seu povo acima de tudo. A discussão é se os interesses do nosso país estão em harmonia ou em contradiçã­o com os demais.

O Brasil é, por excelência, o país que aposta no ganho mútuo, na integração e na paz. Sentimos na pele os malefícios do nacionalis­mo econômico; não é hora de dobrar a aposta e embarcar no nacionalis­mo político.

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