Bloqueio dos EUA ameaça produção de chips da China
Asiáticos assumem protagonismo na exportação de celulares, mas precisam de componentes estrangeiros
A proibição americana a que empresas do país façam negócios com uma fabricante chinesa de chips acusada de roubar segredos tecnológicos ameaça derrubar uma companhia que conta com US$ 5,7 bilhões (R$ 21 bilhões) em fundos do estado chinês, o que prejudicaria as ambições do país de montar uma indústria internacional de semicondutores.
Fundada há dois anos, a Fujian Jinhua construiu uma fábrica cujo objetivo é pôr fim à dependência chinesa de semicondutores estrangeiros e foi consagrada por Pequim como peça fundamental de um programa de três décadas que estimula a criação de produtores de chips capazes de concorrer no mercado global.
Com mais de mil empregados, a empresa planejava iniciar a produção em massa de chips de memória usados em smartphones e drives USB ainda neste ano, para atingir a meta do governo de reduzir as importações chinesas desse setor até 2020.
Os planos provavelmente terão de sofrer uma pausa, porque a Fujian Jinhua depende de americanos que fornecem serviços de design e engenharia dos componentes, dizem analistas.
Na última semana, o Departamento do Comércio americano bloqueou exportações e transferências de tecnologia dos Estados Unidos à Fujian Jinhua —acusada pela americana Micron Technology de roubar segredos industriais.
Os esforços dos Estados Unidos para conter a ascensão tecnológica da China são parte da disputa comercial mais ampla entre as duas maiores economias do planeta, que vem girando principalmente em torno de tarifas.
O bloqueio difere de uma proibição semelhante imposta à gigante das telecomunicações chinesa ZTE alguns meses atrás, porque o Departamento do Comércio mencionou preocupações sobre a segurança nacional e a segurança econômica, no caso da Fujian Jinhua.
A punição à ZTE, depois revertida devido a uma intervenção do presidente Donald Trump, foi imposta pela violação dos termos de um acordo quanto a vendas de produtos ao Irã e à Coreia do Norte, que violariam as sanções vigentes contra os dois países.
“O que os Estados Unidos estão fazendo agora pode se expandir a qualquer coisa que seja considerada tecnologia de ponta e que os americanos não queiram que a China continue a ter”, disse Alicia Garcia Herrero, economista no banco de investimento francês Natixis.
As restrições impostas à Fujian Jinhua se seguem à imposição de limites mais severos pelos Estados Unidos ao investimento chinês em empresas de tecnologia americanas.
Em resposta, a China suspendeu a aprovação de algumas transações, o que levou a Qualcomm a abandonar, em julho, sua aquisição da fabricante holandesa de semicondutores NXP Semiconductors.
O Ministério do Exterior chinês anunciou que as companhias chinesas devem respeitar as leis. A Fujian Jinhua, cujos acionistas incluem diversas empresas de proprieda- de do governo da província de Fujian, ou sobre as quais ele tem controle operacional, não respondeu ao pedido de comentário.
A empresa é uma de três companhias de semicondutores com participação estatal que Pequim está preparando para acelerar a produção de chips de memória no país; as demais são o Tsinghua Unigroup e a Innotron Memory.
A companhia informa em seu site que se tornou parte do plano chinês para o setor de semicondutores sob o plano quinquenal chinês iniciado em 2016, um mapa de percurso para o desenvolvimento nacional associado à ascendência do líder Xi Jinping.
Como parte de seus esforços para estimular a fabricação nacional de chips, estimase que a China esteja investindo US$ 150 bilhões (R$ 556 bilhões), nos dez anos iniciados em 2017, a fim de apoiar sua indústria de chips e desenvolver conhecimento mais sofisticado que permita que ela galgue a cadeia de valor.
Nos smartphones, por exemplo, as marcas chinesas respondem por cerca de 50% das exportações mundiais, mas continuam a depender de importações para 90% de suas necessidades de chips.
Pequim gastou US$ 260 bilhões (R$ 963 bilhões) na importação de chips, em 2017.
A Fujian Jinhua se voltou à produção de chips de memória para o mercado de bens eletrônicos de consumo.
Em evento nos Estados Unidos no fim do ano passado, os principais executivos da empresa disseram que planejavam um lote de teste de produção no final de 2017 e o início da produção em massa um ano mais tarde.
A Fujian Jinhua começou a produzir chips, em escala modesta, em setembro, mas não atingiu a capacidade esperada, de acordo com uma pessoa informada sobre o assunto.
A Micron abriu um processo contra a Fujian Jinhua na Califórnia, em setembro, e acusou também a United Microelectronics Corp (UMC), parceira da empresa chinesa em Taiwan, de roubo de talentos e segredos comerciais. A Fujian Jinhua contestou a acusação, e o caso está em curso.
Um tribunal chinês decidiu em favor da Fujian Jinhua, em julho, em um processo retaliatório aberto pela empresa chinesa contra a Micron, que foi acusada de violar patentes da Fujian Jinhua. O juiz proibiu a venda de produtos da Micron na China.
A Micron contestou as acusações. A UMC declarou, na semana passada, que a nova restrição à Fujian Jinhua não afetará suas operações e que a UMC não exporta produtos para a Fujian Jinhua.
A proibição imposta pelo Departamento do Comércio americano prejudicará a companhia chinesa porque ela provavelmente depende de alguns fornecedores na Califórnia que dominam a oferta mundial da microtecnologia.
“Isso é crítico para as ambições chinesas nos semicondutores”, disse Mark Newman, analista de semicondutores na Bernstein Research.
“É improvável que eles sejam capazes de produzir sem recorrer” a essas empresas.
A China respondeu por cerca de 18% da receita da Applied Materials de janeiro a outubro de 2017 e por 16% da receita da Lan Research e KLATencor nos 12 meses até junho deste ano, de acordo com a FactSet.
As empresas americanas não se pronunciaram.
O setor de semicondutores chinês está em alerta e vê seu destino como dependente do impasse comercial cada vez mais grave entre a China e os Estados Unidos.
“A decisão do governo dos Estados Unidos é um sinal de que os americanos estão dispostos a jogar a carta da guerra comercial”, disse Wang Yanhui, secretário-geral da Mobile China Alliance, uma organização setorial das telecomunicações chinesas.