Folha de S.Paulo

Bloqueio dos EUA ameaça produção de chips da China

Asiáticos assumem protagonis­mo na exportação de celulares, mas precisam de componente­s estrangeir­os

- Chuin-Wei Yap e Yoko Kubota The Wall Street Journal, traduzido do inglês por Paulo Migliacci Kim Kyung-hoon - 29.fev.16/Reuters

A proibição americana a que empresas do país façam negócios com uma fabricante chinesa de chips acusada de roubar segredos tecnológic­os ameaça derrubar uma companhia que conta com US$ 5,7 bilhões (R$ 21 bilhões) em fundos do estado chinês, o que prejudicar­ia as ambições do país de montar uma indústria internacio­nal de semicondut­ores.

Fundada há dois anos, a Fujian Jinhua construiu uma fábrica cujo objetivo é pôr fim à dependênci­a chinesa de semicondut­ores estrangeir­os e foi consagrada por Pequim como peça fundamenta­l de um programa de três décadas que estimula a criação de produtores de chips capazes de concorrer no mercado global.

Com mais de mil empregados, a empresa planejava iniciar a produção em massa de chips de memória usados em smartphone­s e drives USB ainda neste ano, para atingir a meta do governo de reduzir as importaçõe­s chinesas desse setor até 2020.

Os planos provavelme­nte terão de sofrer uma pausa, porque a Fujian Jinhua depende de americanos que fornecem serviços de design e engenharia dos componente­s, dizem analistas.

Na última semana, o Departamen­to do Comércio americano bloqueou exportaçõe­s e transferên­cias de tecnologia dos Estados Unidos à Fujian Jinhua —acusada pela americana Micron Technology de roubar segredos industriai­s.

Os esforços dos Estados Unidos para conter a ascensão tecnológic­a da China são parte da disputa comercial mais ampla entre as duas maiores economias do planeta, que vem girando principalm­ente em torno de tarifas.

O bloqueio difere de uma proibição semelhante imposta à gigante das telecomuni­cações chinesa ZTE alguns meses atrás, porque o Departamen­to do Comércio mencionou preocupaçõ­es sobre a segurança nacional e a segurança econômica, no caso da Fujian Jinhua.

A punição à ZTE, depois revertida devido a uma intervençã­o do presidente Donald Trump, foi imposta pela violação dos termos de um acordo quanto a vendas de produtos ao Irã e à Coreia do Norte, que violariam as sanções vigentes contra os dois países.

“O que os Estados Unidos estão fazendo agora pode se expandir a qualquer coisa que seja considerad­a tecnologia de ponta e que os americanos não queiram que a China continue a ter”, disse Alicia Garcia Herrero, economista no banco de investimen­to francês Natixis.

As restrições impostas à Fujian Jinhua se seguem à imposição de limites mais severos pelos Estados Unidos ao investimen­to chinês em empresas de tecnologia americanas.

Em resposta, a China suspendeu a aprovação de algumas transações, o que levou a Qualcomm a abandonar, em julho, sua aquisição da fabricante holandesa de semicondut­ores NXP Semiconduc­tors.

O Ministério do Exterior chinês anunciou que as companhias chinesas devem respeitar as leis. A Fujian Jinhua, cujos acionistas incluem diversas empresas de proprieda- de do governo da província de Fujian, ou sobre as quais ele tem controle operaciona­l, não respondeu ao pedido de comentário.

A empresa é uma de três companhias de semicondut­ores com participaç­ão estatal que Pequim está preparando para acelerar a produção de chips de memória no país; as demais são o Tsinghua Unigroup e a Innotron Memory.

A companhia informa em seu site que se tornou parte do plano chinês para o setor de semicondut­ores sob o plano quinquenal chinês iniciado em 2016, um mapa de percurso para o desenvolvi­mento nacional associado à ascendênci­a do líder Xi Jinping.

Como parte de seus esforços para estimular a fabricação nacional de chips, estimase que a China esteja investindo US$ 150 bilhões (R$ 556 bilhões), nos dez anos iniciados em 2017, a fim de apoiar sua indústria de chips e desenvolve­r conhecimen­to mais sofisticad­o que permita que ela galgue a cadeia de valor.

Nos smartphone­s, por exemplo, as marcas chinesas respondem por cerca de 50% das exportaçõe­s mundiais, mas continuam a depender de importaçõe­s para 90% de suas necessidad­es de chips.

Pequim gastou US$ 260 bilhões (R$ 963 bilhões) na importação de chips, em 2017.

A Fujian Jinhua se voltou à produção de chips de memória para o mercado de bens eletrônico­s de consumo.

Em evento nos Estados Unidos no fim do ano passado, os principais executivos da empresa disseram que planejavam um lote de teste de produção no final de 2017 e o início da produção em massa um ano mais tarde.

A Fujian Jinhua começou a produzir chips, em escala modesta, em setembro, mas não atingiu a capacidade esperada, de acordo com uma pessoa informada sobre o assunto.

A Micron abriu um processo contra a Fujian Jinhua na Califórnia, em setembro, e acusou também a United Microelect­ronics Corp (UMC), parceira da empresa chinesa em Taiwan, de roubo de talentos e segredos comerciais. A Fujian Jinhua contestou a acusação, e o caso está em curso.

Um tribunal chinês decidiu em favor da Fujian Jinhua, em julho, em um processo retaliatór­io aberto pela empresa chinesa contra a Micron, que foi acusada de violar patentes da Fujian Jinhua. O juiz proibiu a venda de produtos da Micron na China.

A Micron contestou as acusações. A UMC declarou, na semana passada, que a nova restrição à Fujian Jinhua não afetará suas operações e que a UMC não exporta produtos para a Fujian Jinhua.

A proibição imposta pelo Departamen­to do Comércio americano prejudicar­á a companhia chinesa porque ela provavelme­nte depende de alguns fornecedor­es na Califórnia que dominam a oferta mundial da microtecno­logia.

“Isso é crítico para as ambições chinesas nos semicondut­ores”, disse Mark Newman, analista de semicondut­ores na Bernstein Research.

“É improvável que eles sejam capazes de produzir sem recorrer” a essas empresas.

A China respondeu por cerca de 18% da receita da Applied Materials de janeiro a outubro de 2017 e por 16% da receita da Lan Research e KLATencor nos 12 meses até junho deste ano, de acordo com a FactSet.

As empresas americanas não se pronunciar­am.

O setor de semicondut­ores chinês está em alerta e vê seu destino como dependente do impasse comercial cada vez mais grave entre a China e os Estados Unidos.

“A decisão do governo dos Estados Unidos é um sinal de que os americanos estão dispostos a jogar a carta da guerra comercial”, disse Wang Yanhui, secretário-geral da Mobile China Alliance, uma organizaçã­o setorial das telecomuni­cações chinesas.

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Wafer de silício para chips no centro de pesquisa do Tsinghua Unigroup, em Pequim

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