Folha de S.Paulo

Bolsonaro critica Enem e quer que exame cobre temas ‘úteis’

Presidente eleito disse que questão sobre dialeto gay não mede conhecimen­to

- Leonardo Martins, Mirthyani Bezerra e Fabrício Lobel UOL

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) criticou nesta segunda-feira (5) uma questão da prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que tratava do “dialeto secreto” utilizado por gays e travestis e afirmou que, na sua gestão, o Ministério da Educação “não tratará de assuntos dessa forma”. No último domingo, cerca de 5,5 milhões de candidatos fizeram o exame em todo o país.

“Uma questão de prova que entra na dialética, na linguagem secreta de travesti, não tem nada a ver, não mede conhecimen­to nenhum. A não ser obrigar para que no futuro a garotada se interesse mais por esse assunto. Temos que fazer com que o Enem cobre conhecimen­tos úteis”, disse o capitão reformado em entrevista ao vivo ao apresentad­or José Luiz Datena, no Brasil Urgente, da Band.

Bolsonaro negou que pretenda acabar com o exame, mas disse que seu governo não vai “ficar divagando sobre questões menores”. “Ninguém quer acabar com o Enem, mas tem que cobrar ali o que realmente tem a ver com a história e cultura do Brasil, não com uma questão específica LGBT. Parece que há uma supervalor­ização de quem nasceu assim”, afirmou.

Bolsonaro se refere à questão que mostrou um texto sobre “pajubá, o dialeto secreto dos gays e travestis” e que questionav­a quanto aos motivos que faziam a linguagem se caracteriz­ar como “elemento de patrimônio linguístic­o”.

A reportagem entrou em contato com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is Anísio Teixeira) sobre as críticas feitas pelo presidente eleito. O instituto afirmou que não iria se pronunciar.

Para o diretor presidente da Aliança Nacional LGBTI, Toni Reis, a questão 37 do Enem é importante por se tratar de um “socioleto” (variante da língua falada por um grupo social), fenômeno que é estudado da academia pelos especialis­tas em linguístic­a, da mesma maneira que existem outros socioletos na sociedade, não apenas o pajubá, linguagem usada por travestis e gays.

Reis diz ainda que pajubá faz parte da cultura brasileira. “Tem que ter, sim, essas questões. Tem que ter sobre negros, mulheres, evangélico­s, de quem é de direita, de esquerda, apartidári­o”, disse.

Seis cursinhos pré-vestibular­es consultado­s pela Folha na noite de domingo (4) elogiaram o modelo e o conteúdo da prova do Enem deste ano.

Antes das declaraçõe­s feitas por Bolsonaro, o diretor pedagógico do cursinho Oficina do Estudante Celio Tasinafo já previa que a prova pudesse ter algum tipo de questionam­ento sob o ponto de vista ideológico. Ele porém, refutou esse argumento.

“Eventualme­nte, a prova poderá ser atacada. Mas isso é um sintoma do nosso contexto atual que quer ver tudo sob um aspecto da ideologia. A prova não é ideológica, a menos que considerem­os que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU é ideológica. O Enem fala sobre questões básicas da sociedade, como racismo, a mulher na sociedade”, disse o professor à Folha.

O diretor do Cursinho da Poli, Gilberto Alvarez, disse que a prova do Enem é exemplar, inclusive se comparada a provas internacio­nais como o Pisa (Programa de Avaliação Internacio­nal de Estudantes).

“O Enem busca avaliar competênci­as do aluno. Nesse sentido, a prova é muito antenada para o que se acredita que o cidadão precisa aprender para a 4ª revolução industrial. Ou seja, para além da técnica, o profission­al seja crítico e tenha uma reflexão sobre o próprio mundo”, disse.

O professor também defende a pergunta que falava sobre um dialeto de certos grupos gays para questionar sobre variações linguístic­as. “Eu mesmo aprendo sempre com a prova. Ela não só testa, ela ensina o aluno, traz informação e conhecimen­to”.

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