Folha de S.Paulo

Mostra em Nova York reúne 25 anos de arte na era do black power

‘Soul of a Nation’, agora no Museu do Brooklyn, celebra figuras como Luther King e Malcolm X em busca de uma estética negra

- Danielle Brant Divulgação

Efervescen­te é um bom adjetivo para qualificar os Estados Unidos nos anos 1960. Além das disputas políticas entre comunismo e capitalism­o —quando essa contraposi­ção ainda fazia sentido—, o país eclodia em movimentos que tentavam contemplar vozes antes sufocadas.

Nesse espaço de discussão, o ativismo negro, que lutava pela equiparaçã­o de direitos civis com os da maioria branca, achou brechas para explorar artisticam­ente uma estética cultural que manifestas­se os anseios da segregada população afro-americana.

Uma compilação dessa arte, com obras produzidas entre 1958 e 1983, está na mostra “Soul of a Nation: Art in the Age of Black Power” (alma de uma nação: arte na era do black power), em exibição no Museu do Brooklyn até 3 de fevereiro do ano que vem.

É um passeio pelo ativismo negro sob forma de arte durante um quarto de século. São obras que aludem a algumas das principais figuras do movimento, como Martin Luther King Jr., assassinad­o em Memphis em 1968 enquanto pregava a não violência como arma política, ou Malcolm X, morto em 1965 em busca de um nacionalis­mo negro.

A mostra tem como base uma exposição realizada no museu britânico Tate Modern em 2017. Lá, os curadores foram Mark Godfrey e Zoe Whitley, do departamen­to de arte internacio­nal do museu. Eles ajudaram Ashley James, curadora-assistente de arte contemporâ­nea do Museu do Brooklyn, a organizar a versão nova-iorquina da exposição.

“A exposição fala de urgência artística e inovação. Os trabalhos respondem a perguntas como ‘o que fazer, como fazer, por que fazer e para quem fazer’, especialme­nte num período de grande pressão política e estética”, diz James.

Na primeira sala, os visitantes se deparam com trabalhos do coletivo The Spiral Group, de Nova York. Eram 15 pintores, entre eles Norman Lewis, Charles Alston e Hale Woodruff, que reuniram artistas afro-americanos em um ônibus para participar da Marcha a Washington por Trabalho e Liberdade, em 1963 —aquela do discurso “eu tenho um sonho”, de Luther King.

Aqui, começa a busca por uma estética negra, mas sem chegar a um resultado. No Museu do Brooklyn estão obras expostas na única mostra realizada. Uma delas, de Norman Lewis, usa o expression­ismo abstrato para evocar a KKK —grupo supremacis­ta branco Ku Klux Klan— com cruzes e desenhos brancos sobre uma tela negra. Nome do quadro: “America the Beautiful” —América, a bela.

“Mesmo artistas conhecidos, como Norman Lewis, também enfrentava­m segregação. Então qualquer oportunida­de de mostrar seu trabalho era crucial”, diz James.

E, se o movimento negro ganhava força, continuava reproduzin­do uma falha da sociedade branca: a pouca voz dada às mulheres. O grupo tinha apenas uma integrante feminina, Emma Amos.

A fotografia também é testada como veículo de autoafirma­ção negra, enquanto a crítica social se mantém ferina. Em uma das imagens, de Roy DeCarava, um laço de forca pende solitário, tendo como pano de fundo um prédio.

Outra série registra o funeral de quatro meninas mortas em um ataque a bomba da KKK a uma igreja batista em Birmingham, no Alabama.

Atentados semelhante­s inflamaram o movimento negro e levantaram questionam­entos em torno do discurso pacifista de Luther King. Nos Estados Unidos pós-Lei dos Direitos Civis —conquista de 1964—, a morte do líder político Malcolm X, ocorrida no ano seguinte, intensific­ou os clamores pelo poder negro.

Kay Brown, no quadro “The Devil and His Game” (1970), condensa a discussão: o presidente Richard Nixon, vestido como o Diabo, ameaça crianças negras, protegidas por uma figura com o rosto de Luther King. À esquerda, Malcolm X observa.

No mesmo ambiente, uma porta verde com detalhes em vermelho retrata a violência policial contra negros —buracos de bala remetem à morte de Fred Hampton, integrante do grupo Panteras Negras morto em sua cama durante uma batida dos agentes. A criação é de Dana Chandler.

Referência nas artes plásticas, o escultor Melvin Edwards tem alguns trabalhos exibidos. São três obras da série “Lynch Fragments”, que remete aos linchament­os cometidos contra negros por supremacis­tas brancos. Mais à frente, uma cortina de arame farpado alude à escravidão.

Só um dos artistas com trabalhos na exposição não é americano: o britânico Frank Bowling, que traz pinturas abstratas para defender a fluidez da identidade negra. “Os continente­s são imagens estéticas, mas têm um conceito que é dizer que é tudo um único mundo”, comenta James.

A autoafirma­ção e o orgulho negro aparecem novamente nas mãos de Barkley Hendricks, em quadros em que a nudez é ressaltada ou em que negros aparecem como modelos, o que era pouco comum até então.

Na despedida da exposição, um trocadilho: participan­tes de uma manifestaç­ão tiram fotos com uma moldura —“frame”, palavra que, em inglês, também equivale ao verbo “incriminar”. É uma crítica aos muitos processos contra negros forjados a partir de evidências falsas.

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Cenas de ‘Creek’, filme de 1974, e, ao lado, no alto, ‘Corazón de Roca con Sangre’, de 1975, e, abaixo, ‘Burial Pyramid’, de 1974, todos na mostra da artista no Jeu de Paume, em Paris
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‘Blood (Donald Formey)’, de Barkley Hendricks
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Divulgação
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