Folha de S.Paulo

Se tentarem barrar ações culturais, será censura, afirma diretor do Sesc

- Nelson de Sá

A informação de que a equipe econômica do futuro governo Jair Bolsonaro, a ser comandada pelo economista Paulo Guedes, pretende acabar com os “patrocínio­s” do chamado Sistema S causa apreensão no Sesc de São Paulo, a principal entidade do gênero com ações em música, teatro e outras ações culturais.

Em vez dos “patrocínio­s”, expressão usada em nota publicada no jornal O Globo no último dia 4, o Sesi (Serviço Social do Comércio e o Serviço Social da Indústria) teriam de se restringir, com as eventuais mudanças, à formação profission­al.

“Se estão entendendo patrocínio como as ações de caráter cultural, teatro, música, dança, que são feitas pelos Sescs do Brasil inteiro e o Sesc de São Paulo em particular, claro que é uma tentativa de boicotar, censurar, impedir que a gente continue fazendo isso”, afirma Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc paulista, à Folha.

“E nós estamos fazendo isso cumprindo a finalidade da instituiçã­o, coisa que eles não percebem”, acrescenta.

Miranda detalha: “O que a gente está observando é que imaginam que o compromiss­o do chamado Sistema S inteiro é a formação profission­al. Então, se não estão fazendo formação profission­al, estão desviando do objetivo. O que não é verdade. O Sesc não tem compromiss­o com formação profission­al, o Sesi também não. Para isso tem o Senac e o Senai, que foram criados com essa finalidade”.

O Senac (Serviço Nacional de Aprendizag­em Comercial) foi criado pelo decreto-lei 8.621, em janeiro de 1946. O Sesc, pelo decreto-lei 9.853, de setembro de 1946, assinado por Eurico Gaspar Dutra, general eleito presidente da República no final de 1945.

“O Senac foi criado para formação profission­al, para atender à lei de aprendizag­em, e o Sesc é um programa de bemestar social, ligado à vida das pessoas”, diz Miranda.

“Está na nossa lei de criação. Um programa ligado à cultura, à educação, ao lazer, ao esporte, à atividade física, à alimentaçã­o, tudo o que diz respeito ao bem-estar do indivíduo. Isso vem dos anos 1940. Nós temos 72 anos.”

O diretor-geral do Sesc lembra que não é a primeira vez que enfrenta pressão semelhante. Em 2008, o então ministro da Educação, Fernando Haddad, que acaba de ser derrotado por Bolsonaro, propôs retirar um percentual da arrecadaçã­o do Sesc para manter cursos técnicos.

“Ele, no governo PT, pretendia com isso ampliar e melhorar o financiame­nto da atividade de formação na área técnica”, diz Miranda. “Ele não tinha ideia clara do nosso envolvimen­to com outras áreas. Como agora.”

Um dos problemas, acredita ele, é a persistênc­ia da denominaçã­o genérica Sistema S quando os serviços social e de aprendizag­em são muito diversos —e ainda mais diferentes dos vários “S”s que surgiram décadas depois, mais diretament­e vinculados ao Estado, como o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

Outro problema seria o uso da expressão “patrocínio”, como na nota de O Globo. “O nosso envolvimen­to na área cultural não tem nada a ver com patrocínio. Nós não fazemos patrocínio, somos até contra. O que fazemos é realizar ações. Não somos uma empresa que usa o resultado de seu negócio para patrocinar uma ação cultural ou social ou comunitári­a”, diz.

De qualquer maneira, lembrando o resultado positivo da negociação com Haddad, há dez anos, ele afirma não querer confrontar e sim esclarecer e convencer os integrante­s do futuro governo. “Não quero me indispor com ninguém. Seria a pior coisa sermos colocados como inimigos, trocar farpas. A gente quer simplesmen­te afirmar a importânci­a do que faz.”

Lembra a projeção alcançada pelas ações culturais e outras do Sesc-SP pelo mundo, desde o convite para tratar da experiênci­a em instituiçõ­es como a ONU, em Genebra, até as reportagen­s publicadas na última década em jornais como New York Times e Le Monde. “Há um reconhecim­ento internacio­nal muito seguro, com relação ao trabalho que estamos realizando, é importante ter isso presente.”

“Se estão entendendo patrocínio como as ações de caráter cultural, teatro, música, dança, que são feitas pelos Sescs do Brasil inteiro e o Sesc de São Paulo em particular, claro que é uma tentativa de boicotar, censurar, impedir que a gente continue fazendo isso Danilo Santos de Miranda diretor regional do Sesc-SP

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