Folha de S.Paulo

Bancada evangélica amplia agenda moral e adota ‘cartilha Paulo Guedes’

Manifesto da frente defende terceiriza­ção de mão de obra e escolas sem ‘Revolução Comunista’

- Anna Virginia Balloussie­r

Nem só de moral e bons costumes vive a bancada evangélica. Ao menos é a ideia vendida no manifesto “O Brasil para os Brasileiro­s”, uma bússola que a a frente urdiu para a próxima legislatur­a, quando contará com cerca de 180 congressis­tas entre os 513 deputados e 81 senadores.

Temas pouco associados ao grupo, como economia, encharcam as 60 páginas do documento, lançado a quatro dias da eleição que consagrou Jair Bolsonaro (PSL). A bancada o apoiou quando o capitão reformado já era disparado o favorito no pleito, e nada por acaso o texto soa como música para ouvidos bolsonaris­tas.

Ali se fundem o liberalism­o econômico feito na medida para o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, e uma das plataforma­s com maior apelo nas hordas conservado­ras, a Escola Sem Partido.

“Acho que há um preconceit­o, achar que a gente só está aqui por causa do tema de costumes, o famoso conservado­rismo da bancada. As pessoas achavam que não tínhamos opinião própria”, diz à Folha o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), reeleito com uma forcinha de Silas Malafaia como cabo eleitoral.

Não são só as pautas da frente evangélica que mudarão a partir de 2019. Também a li- derança do grupo se renovará, com a saída de seu atual presidente, o deputado não reeleito Hidekazu Takayama (PSC-PR). Sóstenes articula para sudecê-lo. Outros nomes nessa bolsa de apostas: Paulo Freire (PR-SP), filho do pastor José Wellington, da maior das Assembleia­s de Deus (o Ministério Belém), e o mineiro Lincoln Portela, pastor batista filiado à costela política da Igreja Universal, o PRB.

Os três já são deputados atuantes da frente evangélica, que em seu manifesto defende ir “além da pauta tradiciona­lmente por nós defendida, de preservaçã­o dos valores cristãos e de defesa da família”.

Há ali o anteparo à “modernizaç­ão do mastodônti­co Estado brasileiro”, que passaria por uma lipoaspira­ção para diminuir seus quadros, e ao “uso intensivo da terceiriza­ção da mão de obra”, sob justificat­iva de que isso reduz custos e, de quebra, prestigia “o servidor concursado, que atuará apenas nas atividades mais nobres da administra­ção”.

O texto lamenta que “ser servidor público é anseio dos jovens, em detrimento do empreended­orismo ou de uma carreira na iniciativa privada”.

Da independên­cia do Banco Central à necessidad­e de “reduzir o tempo de conces- são das licenças socioambie­ntais”, uma velha demanda ruralista, está tudo alinhado à cartilha do novo governo.

É natural que a bancada evangélica se coloque como escudeira de Bolsonaro, diz seu atual líder, Takayama. “Sabemos que, assumindo um cargo de tamanha envergadur­a, ele vai se sentir solitário.”

E nada como um time de Deus para respaldar a agenda liberal, diz Sóstenes. “Quando a economia aperta, ela aperta pro evangélico também.”

Há de se considerar um intercâmbi­o de interesses na chamada BBB, bancada do Boi (ruralista), da Bala (segurança pública) e da Bíblia (religiosa). Amparar causas de outros grupos é como o chequecauç­ão: quando chegar a hora, eles podem apoiar as suas.

Para o deputado ungido por Malafaia, questões morais “serão secundária­s” na próxima legislatur­a, “pois não vamos mais ficar enxugando o gelo”. Trocando em miúdos: se com governos petistas o bloco evangélico agia como zaga se não quisesse levar uma goleada dos progressis­tas, agora ele está livre para buscar novas zonas de influência.

Afinal, espera-se que um Executivo sob Bolsonaro já se incline ao conservado­rismo.

É no capítulo “Revolução na Educação” que a verve pela qual a bancada é mais conhecida, a moral, vem à tona. A começar pela defesa enfática do Escola Sem Partido, que prega o expurgo de uma suposta doutrinaçã­o à esquerda na sala de aula.

Segundo o manifesto, nas últimas décadas vem sendo notável o “uso político-partidário das escolas e universida­des públicas, que se tornaram instrument­os ideológico­s que preparam os jovens para a Revolução Comunista”.

Mais: “O populismo educaciona­l gerou incompeten­tes em todas as profissões”, e a “ideologia de gênero é a mais nova invenção do pensamento totalitári­o, imediatame­nte adotada por autoridade­s dos governos do PT e demais frações de esquerda autoritári­a”.

À moda do presidente eleito, o trecho sugere “a universali­zação do amor à pátria, aos símbolos nacionais, aos heróis nacionais”.

Professor de sociologia na USP especializ­ado no segmento evangélico, Ricardo Mariano critica propostas como a de “instituir o Ensino Moral como conteúdo transversa­l em todas as disciplina­s, visando a sustentabi­lidade moral, ética e cívica das gerações”.

Todo esse capítulo, segundo Mariano, é “mal escrito, delirante, eivado de pânicos morais sem fundamento na realidade escolar, defensor de uma Escola com Partido da Moral e da Pátria, avessa à laicidade, ao conhecimen­to científico, à liberdade de cátedra e aos direitos fundamenta­is”.

O cabo de guerra entre defensores e detratores da Escola Sem Partido se acirrará no ano que vem, com a tentativa de aprovar o projeto não só em âmbito federal, como também estadual e municipal. Será prioridade da bancada que, assim como Bolsonaro, se guia pelo salmo “feliz a nação cujo Deus é o Senhor”.

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Os deputados Paulo Freire e Sóstenes Cavalcante
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Divulgação e Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

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