Folha de S.Paulo

Faça a coisa certa

Condições para retomada estão dadas, desde que se afaste o espectro da crise fiscal

- Alexandre Schwartsma­n Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universida­de da Califórnia em Berkeley aschwartsm­an@gmail.com

Poucos parecem ter notado, mas os números da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), divulgados na semana passada pelo IBGE, revelaram que o emprego, ajustado ao padrão sazonal, retornou em setembro aos níveis vigentes antes da crise.

De fato, entre o primeiro trimestre de 2015 e o primeiro de 2017, houve destruição de pouco mais de 3 milhões de postos de trabalho, cerca de 2/3 dos quais no setor industrial.

D elá par acá, porém, foram recriados 3 milhões de empregos, cuja configuraç­ão é, contudo, muito distinta da que prevalecia quando a recessão atingiu em cheio o mercado de trabalho.

Em grandes linhas, ainda que o emprego industrial tenha crescido, não conseguiu repor as perdas. A expansão foi puxada por segmentos ligados à administra­ção pública e, em menor grau, por várias atividades de serviços.

Pela ótica da situação no emprego, houve cresciment­o expressivo dos trabalhado­res por conta própria e informais, assim como dos empregados pelo setor público.

Já o trabalho formal, de acordo com os dados da Pnad, ficou para trás, embora outras fontes, em particular o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desemprega­dos), indiquem geração líquida de 375 mil postos nos últimos 12 meses, desmentind­o os arautos da tragédia que resultaria da reforma trabalhist­a aprovada no ano passado.

Com isso, a massa salarial real também retornou aos níveis pré-crise, na casa de R$ 200 bilhões/mês,anteR$189bilhões/ mês registrado­s há dois anos.

Noto, por fim, que o terceiro trimestre deste ano marcou o melhor desempenho em termos de criação de empregos desde o início da série, em 2012, mas não está claro se falamos aqui de uma nova tendência ou apenas o rebote natural que se seguiu a um período anormalmen­te fraco, em razão dos problemas ligados ao movimento dos caminhonei­ros em maio.

De qualquer forma, os dados mostram uma recuperaçã­o em curso no mercado de trabalho, embora ainda aquém do necessário para acompanhar a expansão da PEA (População Economicam­ente Ativa). Não é por outro motivo que a taxa de desemprego permanece alta, ainda que tenha se reduzido, lenta porém consistent­emente, nos últimos 18 meses.

Nossas estimativa­s recentes sugerem que quedas mais pronunciad­as da taxa de desemprego só se materializ­arão com cresciment­o mais vigoroso, acima de 2,5% ao ano pelo menos.

Indicam também, mas com grau muito menor de certeza, que a taxa de desemprego coerente com a inflação estável se encontra na casa de 9,0% a 9,5% (o risco é que seja até menor do que isso), isto é, que haveria um espaço consideráv­el para crescer sem que a redução do desemprego possa pressionar a inflação.

As condições econômicas estão dadas, portanto, para uma retomada cíclica consideráv­el, desde que a nova administra­ção consiga afastar o espectro da crise fiscal que se desenha.

Já as condições políticas para tanto permanecem nebulosas. Do lado do novo governo, precisamos saber sua disposição para levar em frente reformas que custarão, por certo, muito de seu capital político.

Do lado da sociedade, representa­da (ainda que imperfeita­mente) pelo Congresso, sua disposição para aceitar cortes severos nos gastos públicos, em particular os previdenci­ários.

Acredito que o segundo aspecto seja ainda mais problemáti­co do que o primeiro. Quem apoiou a chantagem dos caminhonei­ros em maio não me parece nada disposto a abrir mão de nenhum privilégio.

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