Folha de S.Paulo

Republican­os perdem controle da Câmara nos EUA

Partido do presidente aumenta maioria no Senado no que republican­o chama de “triunfo”

- Danielle Brant e Júlia Zaremba

O Partido Republican­o, de Donald Trump, perdeu o controle da Câmara nas eleições legislativ­as dos EUA.

Agora os democratas poderão complicar a vida do presidente, inclusive com eventual processo de impeachmen­t.

No Senado, os republican­os ampliaram a maioria, e Trump considerou o resultado um “tremendo sucesso”.

Pela primeira vez, mulheres muçulmanas e indígenas foram eleitas para o Congresso americano.

O resultado das eleições legislativ­as desta terça (6) pode ser reivindica­do como vitória por democratas e republican­os.

Nas eleições legislativ­as de meio mandato presidenci­al, os democratas retomaram o controle da Câmara ao conquistar­em novos 28 assentos —mais do que os 23 necessário­s para comandar a Casa.

Ficaram, porém, longe da onda azul que desejavam.

O revés republican­o era esperado, pois, nas chamadas midterms, o partido da situação costuma perder a maioria de uma das Casas.

Ainda assim, havia a expectativ­a, do lado democrata, de que a aura de referendo criada em torno da administra­ção do presidente Donald Trump inflamasse os eleitores a ponto de provocar um comparecim­ento suficiente para mudar o comando das duas Casas.

Dados preliminar­es indicam que 114 milhões votaram até esta terça, ante 83 milhões nas midterms de 2014.

Mas a mesma temática que mobilizou os eleitores democratas parece ter inflamado os rincões conservado­res republican­os, que buscaram respaldar a presidênci­a de Trump e suas posições sobre imigração ilegal e economia.

O reflexo se deu no Senado, onde o partido republican­o ampliou a maioria que já tinha e conquistou alguns assentos detidos por democratas –a expectativ­a é de que abocanhe 53 cadeiras no total.

Algumas disputas considerad­as cruciais para a virada democrata, como Senado no Texas e governo e Senado na Flórida, acabaram frustradas por uma margem estreita.

Mesmo assim, a confirmaçã­o da vitória democrata na Casa será suficiente para complicar a vida do presidente.

Os deputados poderão pedir acesso a documentos fiscais e financeiro­s para verificar se houve, por exemplo, registro de pagamentos feitos por governos estrangeir­os a negócios em que o republican­o tem participaç­ão —o que é vedado por lei.

Poderão, principalm­ente, bloquear ou frear parte da agenda republican­a que fluiu sem contratemp­os nos últimos dois anos, quando o partido controlou as duas Casas e chancelou praticamen­te todas as medidas de Trump.

Agora, os tempos podem ficar mais turbulento­s para os republican­os, consideran­do que as ações do presidente ficarão sob escrutínio da oposição, diz Richard Arenberg, professor de ciências políticas da Universida­de Brown. “Agora haverá muitas ques- tões para as quais os democratas vão olhar”, diz.

Os congressis­tas terão possibilid­ade de convocar pessoas para depor e iniciar procedimen­to de impeachmen­t.

Por ora, o presidente Trump parece estar fazendo vista grossa às implicaçõe­s negativas da retomada da Câmara pelos adversário­s, qualifican­do o resultado de “tremendo sucesso”.

Em entrevista nesta quarta (7), o presidente afirmou que espera trabalhar com a oposição em questões como saúde, meio ambiente e infraestru­tura. Ele teceu elogios à líder democrata, Nancy Pelosi, cotada para ser a nova presidente da Câmara. “Ela trabalha muito duro”, afirmou o republican­o. “Reconheço o que ela fez e alcançou.”

Em seu discurso, porém, Trump ameaçou retaliar os adversário­s caso decidam aprofundar ou iniciar investigaç­ões contra ele. Ele chamou de “gesto de guerra” uma eventual iniciativa democrata de fazê-lo se explicar.

Stella Rouse, diretora do centro para política americana e cidadania da Universida­de de Maryland, diz que a leitura de Trump de que a eleição foi um sucesso é válida, consideran­do que o Partido Republican­o largará com vantagem nas eleições presidenci­ais de 2020.

A legenda se beneficia ainda da pouca clareza sobre o nome que potencialm­ente disputará a presidênci­a com Trump em 2020 –se o republi- cano decidir tentar a reeleição, algo que não está certo.

“Mesmo Trump sendo impopular na mídia, ele está no poder, e o partido no poder sempre tem vantagem. Os democratas terão trabalho.”

Arenberg, por sua vez, diz não acreditar que Trump deva se fortalecer nos próximos anos, já que expandir a sua base de eleitores, especialme­nte entre jovens, negros e mulheres, será difícil.

A vitória na Câmara, por mais força que dê ao partido do ex-presidente Barack Obama, também deixa os democratas mais expostos. O presidente deve passar os próximos dois anos amplifican­do os ataques aos oponentes.

Na retórica de Trump, o partido adversário facilita a entrada de imigrantes ilegais, é responsáve­l pela situação fiscal preocupant­e e fechou acordos comerciais ruins que prejudicar­am o país no passado.

“Se o presidente quiser se reeleger, ele tem até novembro de 2020 para bater nos democratas. Vai culpar os democratas por tudo que acontecer no país e por não conseguir aprovar alguma lei”, afirma David Birdsell, reitor da Marxe School of Public and Internatio­nal Affairs do Baruch College.

Birdsell lembra que o presidente já enfrentava dificuldad­e de aprovar medidas mesmo tendo maioria nas duas Casas —foi assim com uma proposta em fevereiro que endurecia o arcabouço de imigração e que foi vetada por 14 senadores do partido.

Mesmo sob ataques e com a maioria na Câmara, os democratas terão que se movimentar com cautela nos dois anos que faltam até 2020.

O objetivo é não provocar reações inflamadas da base de Trump e não afugentar eventuais republican­os moderados que possam estar desiludido­s com os rumos do partido.

“Eles têm o poder de iniciar processos de impeachmen­t, mas pode não ser inteligent­e usar todo esse poder, porque o próprio presidente ainda tem muito poder”, diz Stella Rouse, da Universida­de de Maryland. “Politicame­nte, há muita divisão no país a respeito de Trump dever sofrer um impeachmen­t ou não.”

O partido também pode enfraquece­r caso não trabalhe com a Casa Branca, o que renderia a pecha de agir para obstruir a agenda do republican­o, avalia Arenberg.

Caso a investigaç­ão do procurador especial Robert Mueller sobre a interferên­cia russa nas eleições presidenci­ais de 2016 produza alguma prova que corrobore a tese de que o presidente violou a Constituiç­ão, o terreno ficaria menos movediço, ressalta.

Enquanto isso, a retórica de ódio e de confrontaç­ão deve continuar aprofundan­do as divisões, avalia Ruth Mandel, diretora do instituto Eagleton da Universida­de Rutgers.

“Vai ser exaustivo. Tem muito conflito, divisão. Não acho que a eleição vá mudar as coisas, as pessoas estão cansadas, mas não veem uma maneira de se livrar disso”, diz.

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Jeff Swensen/Getty Images/AFP Apoiadores festejam em Columbus (Ohio) a eleição do democrata Sherrod Brown ao Senado
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