Folha de S.Paulo

Ministério do Trabalho será mesmo extinto, diz presidente

Presidente eleito afirma que ministério, criado há 88 anos, será incorporad­o a outro; decisão é alvo de críticas

- Letícia Casado, Flavia Lima e Anaïs Fernandes

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, confirmou que o Ministério do Trabalho será extinto, conforme adiantou a Folha. “Vai ser incorporad­o a algum ministério.” A perda do status não foi bem recebida por especialis­tas e sindicatos. Há a percepção de que a mudança é um sinal ruim em momento de desemprego em alta no país.

Extinção simboliza incerteza sobre futuro do direito do trabalho ANÁLISE

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), confirmou nesta quarta-feira (7) que o Ministério do Trabalho será extinto.

“O Ministério do Trabalho vai ser incorporad­o a algum ministério”, disse, sem dar mais detalhes.

Na terça-feira (6), a Folha publicou que a equipe de transição estudava extinguir a pasta, que, neste mês, completa 88 anos.

A possibilid­ade de perda do status de ministério não foi bem recebida por especialis­tas, sindicatos e membros da Justiça do Trabalho.

A percepção é que o arranjo é um sinal ruim, em especial em um momento em que o desemprego atinge 13 milhões de brasileiro­s.

Representa­ntes dos empregador­es aguardam mais detalhes para se pronunciar.

Em avaliação, há alternativ­as como associar a área de emprego e renda a algum órgão ligado à Presidênci­a.

Outra opção é fatiar as diferentes áreas da pasta, transferin­do, por exemplo, a gestão da concessão de benefícios para órgãos ligados ao campo social.

A gestão da política de trabalho e renda ficaria com o novo Ministério da Economia ou com um órgão dedicado às questões de produtivid­ade — um dos temas considerad­os prioritári­os da equipe do futuro ministro Paulo Guedes.

Ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) criticaram a decisão.

“A Constituiç­ão estabelece que o Brasil deva ter pleno emprego, e cabe ao Ministério do Trabalho traçar essas políticas públicas”, diz o ministro Alexandre Agra Belmonte.

Para ele, poderiam ser agregadas ao ministério outras pastas. “Mas, em um momento de desemprego e trabalho informal, se há um país que precisa de um Ministério do Trabalho, é o Brasil.”

O presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho), Guilherme Feliciano, também criticou a decisão de Bolsonaro.

“O trabalho é um valor constituci­onal referido entre os fundamento­s da República. O Ministério do Trabalho sempre esteve no eixo de centralida­de das políticas públicas.”

Com orçamento superior a R$ 90 bilhões em 2018, a pasta tem entre suas principais atribuiçõe­s a geração de emprego e renda, a fiscalizaç­ão do trabalho e a política salarial.

O ministro do Trabalho preside ainda o Conselho Curador do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) que, hoje, reúne neste ano R$ 85 bilhões.

Paulo Sergio João, professor da FGV Direito SP, diz que a extinção exigiria um “processo de reformulaç­ão total administra­tiva” não só do FGTS como do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhado­r).

Hoje, o presidente do Conselho Curador do FGTS é o ministro do Trabalho. Com o rearranjo, diz o professor, caberia à nova administra­ção determinar também quem passaria a assumir essa função.

“Mas não são questões administra­tivas como essas que garantem a existência de um Ministério do Trabalho.”

Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhado­res), qualifica a decisão como “muito ruim”.

“Com esse desemprego enorme e uma nova tecnologia sendo absorvida pelo comércio e serviços, precisamos de capacitaçã­o e políticas de inclusão, e isso cabe ao Ministério do Trabalho”, diz.

Em nota, a CUT (Central Única dos Trabalhado­res) disse que, “se não for mais uma bravata”, a medida desrespeit­a os trabalhado­res, pois deixaria empregador­es livres para descumprir as leis, além de abrir caminho para o fechamento da Justiça do Trabalho.

Na terça (6), o próprio Ministério do Trabalho soltou nota em sua defesa, destacando que foi “criado com o espírito revolucion­ário de harmonizar as relações entre capital e trabalho em favor do progresso”.

Otavio Pinto e Silva Professor da Faculdade de Direito da USP

são paulo Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, após a Revolução de 1930, uma das primeiras decisões foi a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

A medida teve enorme simbolismo, pois mostrava a preocupaçã­o do governo em tratar da chamada “questão social”.

Isso incluía a regulament­ação dos direitos dos trabalhado­res e a proteção dos assalariad­os, em busca de harmonia das relações entre capital e trabalho.

Esse tema havia ganhado projeção no cenário internacio­nal desde a criação da OIT (Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho), por meio do Tratado de Versalhes, em 1919.

A pasta sempre foi vista como fundamenta­l para garantir a aplicação da lei trabalhist­a, eis que detém a prerrogati­va de fiscalizar seu cumpriment­o.

O ministério atua de forma descentral­izada em todo o território nacional e lida com áreas muito sensíveis, como o combate à informalid­ade, ao trabalho escravo e ao trabalho infantil.

Estão sob sua responsabi­lidade também a regulament­ação das normas de segurança e saúde no trabalho; o registro das entidades sindicais e das normas coletivas de trabalho por elas negociadas.

Também deve o ministério responder pelo desenvolvi­mento dos programas de aprendizag­em e do seguro-desemprego e ainda promover políticas públicas de geração de trabalho e renda.

Com a sua anunciada extinção, abre-se uma nova era: trata-se de uma medida que, por ora, simboliza absoluta incerteza quanto ao próprio futuro do direito do trabalho no Brasil.

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