História, religião e cultura cafeeira são patrimônio da Etiópia
Sítios protegidos, parques nacionais e fazendas de café norteiam viagem no Chifre da África
são paulo A Etiópia ainda é, para muitos, um nome que significa apenas miséria.
De fato, a grande fome que atingiu o país nos anos 1980 produziu imagens em profusão para ocultar, por décadas, qualquer outra informação sobre o país.
No entanto há variadas razões para visitar essa nação do Chifre da África —europeus e americanos já descobriram isso. Em 2015 o país foi escolhido o melhor destino turístico do mundo pela rede de TV americana CNN; no ano passado, figurou entre os dez lugares a visitar segundo o guia “Lonely Planet”.
É um país com belas paisagens e uma grande concentração de sítios protegidos como patrimônio universal da humanidade pela Unesco —são 9 (8 deles culturais e 1 natural, o Parque Nacional do Simien).
A Etiópia agrupa diferentes etnias. No sul e no leste, ao longo da fronteira com a Somália, somalis e oromos vivem em conflito, o que torna a região instável e perigosa. Os grupos amárico e tigrínio, do norte do país, dominam a classe política.
É o único país jamais colonizado no continente africano —os italianos tentaram no século 19 e durante o fascismo, na década de 1930. Das duas vezes, acabaram expulsos.
Por não ter sido colônia, o país adquiriu importância simbólica e tornou-se a capital da União Africana —organização no molde das Nações Unidas, com sede em Adis Abeba (pronuncia-se Ababa).
Por causa disso, também, o visitante vai sentir o choque cultural possivelmente de maneira mais forte do que em outros países africanos, moldados pelas matrizes coloniais.
A rota histórica pelo norte do país aqui proposta é a ideal numa primeira visita, pois apresenta boa parte da cultura etíope e pode ser feita em dez dias.
Qualquer roteiro, porém, começa em Adis Abeba, a nova flor —é esse o significado do nome da capital do país no idioma oficial, o amárico.
O visitante pode preferir um hotel no antigo centro da cidade, a Piazza —embora não haja uma praça propriamente dita—, ou, com mais conforto, embora mais distante, na região da Bole Avenue, parte mais moderna da cidade.
Há ainda hotéis de redes internacionais, como Radisson e Hilton.
A capital da Etiópia requer de dois a três dias de visita. Comece indo ao Museu Etnológico, situado em um antigo palácio do imperador Haile Selassie, hoje campus da universidade de Adis Abeba.
Ali é possível aprender o básico da cultura da Etiópia por meio de uma expografia que se baseia no ciclo da vida —infância; vida adulta; morte e além—, além de visitar os aposentos imperiais.
O museu tem ainda uma bela coleção de ícones religiosos, com destaque para as várias imagens do padroeiro, são Jorge —os etíopes são em sua maioria cristãos, muito fervorosos, da Igreja Ortodoxa Tewahido, o ramo ortodoxo local, centrado no culto à arca da Aliança.
Dedique outro meio dia ao Museu Nacional, onde está Lucy, o fóssil de hominídeo mais antigo do mundo, com 3,2 milhões de anos.
Não se deixe abater pelo aspecto às vezes depauperado dos museus; há muita informação preciosa neles e é preciso saber ver através da museologia carente de investimento.
Outros pontos de interesse são a catedral de São Jorge, nos arredores da Piazza, e o Museu dos Mártires do Terror Vermelho, dedicado às vítimas do Derg —a junta militar comunista que depôs o imperador Haile Selassie e que governou o país entre 1974 e 1987.
A próxima parada é Gondar, antiga capital do país. O passeio turístico básico é visitar as Termas de Fasiladas, um antigo rei. O grande fosso se transforma numa piscina na Epifania, uma das principais festividades do calendário religioso.
Visite ainda a cidade-fortaleza de Fasil Ghebbi, uma sucessão de ruínas de antigos palácios às vezes chamada de “Camelot africana” — os etíopes não gostam muito do apelido eurocêntrico, e o chamam, para fins turísticos, de “Royal Enclosure”.
A belíssima igreja de Debre Berhan Selassie também vale a visita, por seus surpreendentes afrescos. Graveos na memória. A luz é pouca, e fotos com flash não são permitidas.
De Gondar, pode-se partir também para uma expedição ao Parque Nacional do Semien, terra do babuíno-gelada.
A seguir, vem Axum (pronuncia-se “aksum”), berço do cristianismo etíope. A religião teria nascido após a conversão do soberano local por dois fenícios resgatados de um naufrágio.
No Parque das Estelas erguem-se obeliscos da era axumita; sua origem e significado são incertos. Guias e um museu local dão conta de algumas hipóteses.
Uma das estelas foi levada pelas tropas fascistas para Roma em 1937, sendo devolvida somente em 2005.
Axum é um local onde mito e história se confundem, sobretudo para falar de Makeda, a rainha de Sabá —as ruínas do que teria sido seu castelo são ponto de visitação de turistas.
Conta-se que Makeda, ansiosa por conhecer o sábio rei Salomão, foi a Jerusalém visitá-lo, regressando grávida. Menelik, seu filho com Salomão, ao viajar para conhecer o pai, teria trazido na volta a Arca da Aliança.
A arca, na qual Moisés conservou as tábuas com os Dez Mandamentos, acredita-se, está numa capela anexa à catedral de Nossa Senhora do Sião.
Essa capela, quen ã ose visita,é guardada dia enoite por um monge. Ele nunca sai dali, avida toda, eéaún ica pessoa apousar os olhos na relíquia.
Por fim, La libela( pronuncia-se Lalibala). Se Axu mé o berço da religião local, sua Jerusalém é essa cidade nas verdejantes montanhas conhecidas como “highlands etíopes”.
São necessários pelo menos dois dias para ver todas as igrejas de Lalibela —e você deve absolutamente ver todos os 11 templos, que não foram construídos, mas esculpidos na pedra, no século 13.
Conta a lenda que o rei Lalibela recebeu diretamente de Deus, num sonho, a ordem para erguê-las—eque, enquanto os homens trabalhavam durante o diana obra,à noite os anjos a continuavam.
C ada igrejaédi ferente nesse conjunto sublime. Amais impressionante é Bet Giyorgis, ou casa de são Jorge. Em forma de cruze isola dados dois outros grupos deigrejas,éo principal cartão-postal etíope— enãoéà toa.
A Etiópia é o berço do café. Foi do atual estado de Kaffa, no sudoeste do país africano, que a planta partiu primeiro para a Arábia e depois para o mundo.
Diz a lenda que, mais de mil anos atrás, um pastor daquela região, chamado Kaldi, percebeu que seu rebanho de cabras ficou lépido depois de ingerir os grãos avermelhados.
Na verdade, não se sabe quando nem como o café foi descoberto. Mas é sabido que seu fruto surgiu naquelas terras altas onde hoje ficam dois dos principais destinos (as cidades de Jima e Bonga) do turista que quer conhecer a produção do café da Etiópia —a sexta maior no mundo.
O auge da colheita, entre setembro e dezembro, é a melhor época para as visitas.
Jima costuma ser a primeira parada dos passeios que partem da capital, Adis Abeba, a 350 quilômetros. Como as agências oferecem roteiros personalizados, a duração do tour pode variar bastante.
Logo na chegada à cidade, a escultura de um grande bule e uma xícara de café dá as boasvindas aos forasteiros. Nas ruas, mulheres torram os grãos e preparam a bebida vendida em pequenas barracas.
No Coffee Research Center, o visitante descobre a história do café, os diferentes tipos de grão e como funciona a produção no país. Mas para conhecer o cultivo é preciso esticar um pouquinho até Bonga, a antiga capital do reino de Kaffa, a 125 quilômetros de distância de Jima.
Em Bonga, fica a Bebeka Coffee Plantation, a maior e mais antiga fazenda de café da Etiópia. A visitação do local depende de autorização, que deve ser confirmada com a agência de turismo responsável pelo passeio. Na vizinhança, porém, há outras proprie- dades menores abertas ao público —algumas oferecem alojamentos para pernoite.
A 500 quilômetros de Jima, fica a região de Irgachefe, cheia de campos de cultivo e que atualmente ostenta a fama de produzir o melhor café exportado pelo país. A cidade é pequena, sem muita estrutura, por isso os turistas costumam se hospedar em Igralem, cidade próxima.
Em Irgachefe, o visitante pode conhecer desde a colheita nas fazendas, feita manualmente, até o processamento dos grãos nas cooperativas de produtores. Nesses locais, os frutos passam por uma triagem, são lavados e postos para secar, antes de serem torrados e moídos para a exportação.
Outra região produtora de café do país é Harar, mas os passeios turísticos não costumam passar por lá por causa da instabilidade política.
Na Etiópia, o café pode ser consumido nas cafeterias, preparado em máquinas italianas, ou em rituais da bebida. Chamados de buna, eles acontecem por todos os lugares, desde as barracas cobertas por lona no meio da rua até os hotéis mais sofisticados.
Primeiro, o local da cerimônia é decorado com folhas verdes espalhadas pelo chão. Dessa maneira, quem olha de fora sabe que o ritual está acontecendo. Em seguida, uma mulher encarregada da cerimônia ascende um incenso feito com ervas locais para aromatizar o ambiente e chamar a atenção do público.
Em seguida, ela prepara a lenha e torra os grãos ainda verdes até que fiquem bem escuros. Os fruto torrados são pilados manualmente pela mulher, enquanto a água ferve em um bule (buna) num pequeno forno, geralmente de lata. O pó de café é jogado diretamente na água do bule, onde ferve por mais alguns minutos até ficar pronto.
A degustação da bebida acontece em pequenas xícaras de porcelana, e nunca é
utilizado açúcar.
Para os etíopes, convidar alguém para a cerimônia é um sinal de respeito. Para participar de um ritual de café, é preciso não ter pressa. Os locais dizem que a cerimônia demora o tempo que precisa demorar e que a espera faz parte dela (a duração pode passar de uma hora).
Se o tempo for curto, é possível degustar rapidamente, mesmo em restaurantes mais simples em vilarejos isolados, macchiatos, cappuccinos (servidos com chocolate em pó por cima) e o coffee with peanut, um mistura de café com creme de amendoim.
Em Adis Abeba, pode-se experimentar diferentes combinações de café na rede Kaldis (uma espécie de Starbucks etíope, parecida até no logotipo), no Mokarar e no Tomoca, que também vende pacotes de cafés de todo o país.
Outras opções de bebidas tipicamente etíopes são os spris, combinação de sucos de abacate, de mamão e de manga, e o tej, vinho de mel.
Para comer, a injera é o arroz com feijão da Etiópia. Tratase de uma massa feita com a farinha de um grão local chamado teff e água, que, depois de fermentada por alguns dias, vira uma grande panqueca esponjosa e com gosto levemente azedo.
A injera é servida em qualquer lugar, sobre um grande tabuleiro compartilhado (e é comida com as mãos). Pode levar por cima carnes, legumes, pastas e molhos. As combinações mais famosas são a atkilt wot (com batata, cenoura e couve), mesir wat (lentilha e especiarias locais) e bayanat (legumes cozidos e pasta de grão de bico e de feijão).
Na Etiópia, também é comum o consumo de carne bovina crua —não recomendado para quem tem estômago mais fraco. Para não correr o risco de pedir o prato sem querer, evite os que tenham “tere siga” (carne crua) entre os ingredientes.